"Estou cansado de falar de forma e espaço"

Em Junho, a Academia de Arquitectura de Paris atribuiu a Grande Medalha de Ouro ao português Gonçalo Byrne pelo conjunto da sua obra e da sua carreira. É um prémio atribuído aos arquitectos "que tenham honrado ou servido a arquitectura com alta distinção". A arquitectura de Byrne - o seu desejo de rigor e de método, associados a uma economia de meios, que resultam em obras de grande contenção formal - junta-se, assim, ao panteão onde estão Alvar Aalto, I.M. Pei, Oscar Niemeyer ou Norman Foster, arquitectos que em edições anteriores receberam o galardão.

Gonçalo Byrne é, a par de Siza Vieira, Eduardo Souto de Moura e Carrilho da Graça, um dos arquitectos que maior projecção adquiriu nos últimos anos dentro e fora do país. A sua carreira arranca com um momento particular da história de Portugal, e seminal na história da arquitectura portuguesa. Corriam os anos 70 e a ideologia impregnava a arquitectura, descartada do português suave e de uma modernidade entendida como mais um estilo. A novíssima geração aderia às operações do SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), e Gonçalo Byrne, depois de uma passagem pelo atelier de Teotónio Pereira, projectava o Casal Figueiras em Setúbal. Mas já antes tinha mostrado uma afinidade particular com as teorias italianas sobre o "fazer cidade" com o objecto arquitectónico. Os textos de Gregotti poderão ter encontrado eco num edifício bem conhecido dos lisboetas, chamado "Pantera Cor-de-Rosa", em Chelas, a primeira grande obra de Byrne. Durante os anos 80 e 90, foi um dos arquitectos de maior sucesso com a encomenda pública através dos vários concursos que ganhou. Entre eles conta-se o Plano, nunca concretizado, para o fecho do Palácio da Ajuda e ordenamento da área envolvente, e o futuro museu Machado de Castro em Coimbra.À semelhança do que aconteceu com Siza, Byrne ganhou concursos internacionais (está em curso o projecto para uma sede de um governo provincial na Bélgica), permitindo-lhe assim o confronto com outras experiências sobre o projectar e construir num contexto radicalmente diferente do português. Mas a sua internacionalização começou a partir de um país que olha há muito a arquitectura portuguesa com enorme curiosidade e admiração, Itália. Nasceu há 59 anos em Alcobaça, e exerce actividade a partir de Lisboa, cidade onde se licenciou em 1968 e onde teve oportunidade de realizar edifícios públicos de grande visibilidade. Neste momento está a acabar os edifícios do Instituto Superior de Ecomomia em S. Bento e a desenvolver o projecto para a ampliação do edifício da Standard Eléctrica (projecto de Cotinelli Telmo) que irá albergar a Orquestra Metropolitana de Lisboa sob um programa intitulado de "Casa da Música", tema muito mediático nos últimos meses a propósito do projecto do holandês Rem Koolhaas para o Porto. A arquitectura de Byrne caracteriza-se por um desejo de rigor e de método, associados a uma economia de meios, que resultam em obras de grande contenção formal. Desinteressado de uma arquitectura de formas reconhecíveis, procura para a sua arquitectura relações de continuidade dentro do tecido urbano, nem sempre óbvias, tentando assim prolongar uma tradição urbana erudita, praticamente desaparecida em Lisboa. A sua obra - tal como as suas referências, Adolf Loos ou Siza Vieira - posiciona-se numa perspectiva de continuidade e reinterpretação crítica do passado, assente num dos grandes bastiões ideológicos do século XX: o binómio essencialidade e síntese. A entrevista que concedeu ao PÚBLICO parte das questões relacionadas com o papel possível, e simultaneamente imprescindível, da arquitectura na cidade.GONÇALO BYRNE - Houve relações de equilíbrio e desequilíbrio entre o centro da cidade e os outros centros que se alteraram consideravelmente. Os processos agudizaram-se e as assimetrias também, e a cidade ganhou uma realidade mais metropolitana, expressa na melhoria das acessibilidades. Os fenómenos que surgem na periferia acabam por se reflectir no centro da cidade. Com a criação dos dormitórios surgiu a terciarização do centro. Por outro lado, a periferia especializou-se, com equipamentos do terciário. Mais recentemente assistimos à disseminação de outras centralidades, dentro da mancha metropolitana. E aí aparecem os nós que aglutinam grandes movimentos, e que traduzem outras centralidades que vão competir com o centro histórico. Chelas era suposto criar uma cidade constituída por seis ou sete fragmentos, que procuram dentro deles alguma centralidade e um certo equilíbrio com uma natureza circundante - um espaço verde - articulado com o sistema das vias rápidas que iria dar continuidade entre estes núcleos. O Chiado passa por uma centralidade muito mais pesada. O projecto do quarteirão vem no seguimento da lógica urbana iniciada com a estratégia de Siza Vieira. Quisemos propor uma mistura de usos que contempla habitação, escritórios e comércio, bem como uma revalorização do espaço público. No interior do quarteirão existe um micro ambiente, de temperatura, sombra, presença visual das árvores e uma quantidade enorme de pássaros, perfeitamente distinto da Rua Garret, que estamos a tentar revalorizar. Por isso repor o jardim que existia acabava por condicionar fortemente o interior do quarteirão. É possível ao lado da rua descobrir espaços compartilhados com outros valores. É claro que não sabemos se vai ser possível evitar que os restaurantes e esplanadas resistam a ter a música aos berros.E aqui está a esquizofrenia da cultura contemporânea. Por um lado, a saturação da mensagem; por outro o afastamento do cidadão da arquitectura enquanto proposta crítica, para se aproximar desta autoria da produção de imagem.Existe a visão sincrónica da arquitectura, que é aquela que fixa no tempo a forma, e uma outra que desapareceu, a diacrónica, em que o tempo é sequencial. Esta cristalização no tempo da forma é que vai introduzir a dimensão negativa na obra da autoria. Mais importante que o autor é a obra. A obra não pode perder a dimensão sequencializada no tempo. E as pessoas relacionam-se com as obras e não com os autores.Na minha obra procuro uma certa atemporalidade, procuro as coisas mais simples onde as pessoas se possam sentir mais elas próprias. Isto passa por tentar limpar aquilo que chamo de lixo do tempo.Mas a tradição da encomenda da moradia está mais relacionada com o Norte do que com o Sul. De qualquer forma estamos a acabar o projecto de uma moradia no Cabo da Roca, projecto que fiz com o arquitecto Falcão Campos. Estamos muito curiosos com o resultado porque a ideia assenta numa proposta de relacionamento com a paisagem, que tenta responder às suas características com uma grande elementaridade formal.

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