Grelhado no carvão

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À primeira sibilância, o estômago começa a entrar em actividade. É um som característico, um "sssssssssss" dinâmico, que entra na órbita audível através um ataque drástico, quando a primeira gota de gordura tomba sobre o carvão, e que depois decai à medida que a matéria grassa se dissolve com o calor. É neste momento que a produção de suco gástrico dispara, fazendo do organismo um todo expectante. É esta, meus amigos, a mecânica sedutora do churrasco.

Estamos no tempo dele, e o que não falta por aí é sardinha submetida à grelha. E quem diz sardinha, diz febras, entrecosto, chouriço, entremeada e, porque não, picanha, este item mastigável importado que se imiscuiu nos gostos nacionais. É carne controversa, do ponto de vista ambiental. O seu transporte, em si, naturalmente representa um ónus. E possivelmente uma parte dela provém de animais que pastam em áreas antes ocupadas por floresta tropical. Mas o outro lado da moeda é nitidamente favorável. O gado é criado livre, sem confinamento, com alimentação natural, sem ração, e as melhores peças vêm dos "pampas", paisagem natural da América do Sul propícia à engorda do bovino.

Confesso que quando olho para a picanha sobre a grelha, salvo legítimas inquietações de índole coronária, não é a carne o que mais me preocupa. É o churrasco em si. Não quero estragar a festa, mas os grelhados no carvão são um desastre ecológico completo. Seja lá o ângulo pelo qual se analisa este hábito sócio-alimentar, há sempre um problema para nos retirar o apetite. Se o ingrediente for carne, está tudo perdido à partida - dado os consumos hiperbólicos de água e de energia necessários para produzir um bife.

O carvão é outro desmancha-prazeres. A despeito da sua nobre função calorífica, é uma fonte abundante de dióxido de carbono, contribuindo assim para a subida do termómetro global. E com mais calor, apetece mais grelhados, e com mais grelhados, vem mais calor, e assim por diante, até ao juízo climático final. Além do CO2, um grelhador também lança para o ar e para os pulmões quantidades robustas de fuligem.

A coroação deste arsenal bélico é um processo químico que também ocorre enquanto esperamos pelo assado. O sal, dissolvido pela água e carreado para a brasa, acaba por fomentar a produção de dioxinas - um composto químico clorado tido como cancerígeno e autor de outras maldades sanitárias. Congrega-se assim num simples churrasco um impressionante rol de malefícios: exaustão de recursos, aquecimento global, males do pulmão e mazelas bem piores. É o totoloto antiecológico.

Pensei nisso no outro dia, em meio a coxas de frango, nacos de picanha, chouriços de Barrancos e uma manta de entrecosto. Entalado entre um drama acutilante de consciência e o regozijo gastronómico profundo, não encontrei outra solução senão partir em rodelas um chouriço e servi-lo, para delírio gustativo geral. Eu havia chegado à hora combinada, munido do meu kit: um jogo de facas afiadas, dois espetos profissionais e um avental preto. O fogo, porém, não estava pronto e esta circunstância possibilitou-me aplicar a minha fórmula para, ao menos, obter um churrasco eficiente. Consiste em acender um núcleo restrito de carvão e ir acrescentando novos bocados cirurgicamente, à medida das necessidades.

Poupa-se em emissões, mas sem grande impacto. Alguns investigadores nos Estados Unidos - possivelmente vegetarianos - estimaram que no feriado nacional do 4 de Julho, quando toda a gente se atraca aos grelhadores naquela terra, os churrascos chegariam a emitir 225 mil toneladas de CO2.

Alternativas? Grelhadores a gás, eléctricos, solares... Vou estudar o assunto. Mas o tema é sensível. Se retiram o churrasco à sociedade, pode vir aí uma convulsão social.

Jornalista

rgarcia@publico.pt

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