Terra é acompanhada por asteróide com órbita em ferradura

A Terra anda numa espécie de dança espacial com um asteróide descoberto no início do ano, por cientistas norte-americanos e canadianos. O asteróide viaja mais ou menos na mesma órbita que a Terra em redor do Sol e, ao fim de 190 anos, desenha uma órbita com a configuração de uma ferradura. Além disto, o asteróide fica aprisionado, ao fim de alguns milhares de anos, em torno da própria Terra, como se fosse uma segunda lua, durante 50 anos. Depois volta a orbitar o Sol, algo que nunca foi observado antes num asteróide.Este companheiro da Terra, que se chama 2002 AA29, é muito pequeno. Mede uns cem metros de diâmetro, o que é uma das razões para ter passado despercebido até agora. Só a 9 de Janeiro deste ano foi localizado, graças a um projecto norte-americano que vasculha o céu com vários telescópios à procura de asteróides perto da Terra - o LINEAR. Os telescópios varrem o céu noite após noite, em busca de objectos em movimento, até como forma de alerta de uma eventual colisão cósmica com a Terra. Paul Chodas, do Laboratório de Propulsão a Jacto, em Pasadena (EUA), reparou que o asteróide tinha uma órbita invulgar e falou disso a Martin Connors, da Universidade Athabasca, no Canadá, que alertou outros cientistas. Entretanto, Helena Morais, do Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa (CAAUL), e Allesandro Morbidelli, do Observatório de Nice, França, também incluíram este asteróide nos seus estudos e publicarão em breve os resultados na revista norte-americana "Icarus". Já foram descobertos vários asteróides com órbitas em ferradura em Júpiter e Marte, por isso Helena Morais e o colega fizeram previsões sobre quantos objectos com este tipo de órbita existem na população de asteróides perto da Terra (asteróides com origem na cintura entre Marte e Júpiter, que evoluíram para órbitas que se aproximam do nosso planeta). O que a órbita do 2002 AA29 tem de especial é que descreve no espaço a forma de uma ferradura ao fim de 190 anos. Como é que o faz? A Terra completa uma volta ao Sol num ano, tal como o asteróide. Este não anda em órbita da Terra - mas do Sol -, só que ocupa mais ou menos a mesma região do espaço atravessada pelo nosso planeta. Durante 95 anos, o asteróide deu 95 voltas ao Sol, circundando-o do lado de fora da Terra. Decorrido esse período, passa para mais perto do Sol, deixando agora a Terra do lado de fora. Aí, anda outros 95 anos, até voltar a passar para o lado exterior à Terra. Se se pensar que a região do espaço onde se dá a passagem para o lado mais perto do Sol e para o mais distante é como a abertura de uma ferradura, então as órbitas deste asteróide, ao fim de 190 anos, têm a configuração de uma ferradura. Quando o asteróide está mais próximo do Sol, as voltas são mais pequenas, e por isso anda mais depressa do que a Terra. Chega a uma altura em que já anda tão à frente da Terra que fica escondido pelo Sol. Durante algumas dezenas de anos, não é possível observá-lo a partir da Terra, explica o astrofísico Maarten Roos Serote, do CAAUL. Foi por esta razão que o discreto companheiro da Terra permaneceu incógnito.Como o asteróide continua sempre a avançar um pouco mais na sua órbita, a certa altura aproxima-se da Terra por trás, até que passa pela abertura da ferradura para o lado exterior do planeta. "Quando o asteróide se aproxima muito, a atracção gravítica da Terra tenta capturá-lo. Mas não consegue, por isso ele muda de um lado para o outro", diz Maarten Roos Serote.No lado exterior da Terra, o asteróide tem de dar uma volta maior. Logo, ficará para trás em relação à Terra, até que o Sol volta a interpor-se entre os dois. Após outros 95 anos, regressa ao ponto inicial. "E o jogo do gato e do rato continua", resume Maarten Roos Serote.Neste momento, o 2002 AA29 não está já longe da abertura da ferradura: de facto, no próximo ano atingirá o ponto mais perto da Terra, o que contribuiu para a sua detecção. Ninguém se assuste, porém. A distância mais próxima da Terra equivale a 12 vezes a distância da Terra à Lua, o que perfaz cerca de 4,5 milhões de quilómetros. Depois, partirá para a viagem de 95 anos e atingirá o ponto mais afastado a 300 milhões de quilómetros. Só em 2098 voltará a aproximar-se da Terra.Na viagem anual à volta do Sol, o 2002 AA29 apresenta outra característica. Parte do tempo está por cima do plano da órbita terrestre e o resto por baixo, cruzando assim o plano em dois pontos. Como anda para cima e para baixo e tem uma inclinação de dez graus em relação ao plano da órbita terrestre, parece que o asteróide faz laçadas à volta da região que a Terra orbita. Não é a primeira vez que se descobre um asteróide com órbita em ferradura em relação à Terra. Em 1997, a equipa de Paul Wiegert, da Queen's University, no Canadá, anunciou que o asteróide 3753 Cruithne fazia-o. Mas este não tem uma órbita tão semelhante à da Terra como o 2002 AA29.Não se ficam por aqui as particularidades do 2002 AA29. Por vezes, é o que se chama um quasi-satélite. Ao fim de alguns milhares de anos, o campo gravítico da Terra aprisiona o asteróide quando este se aproxima do planeta e, por conseguinte, da abertura da ferradura. Então, fica em torno da Terra, a dar as suas laçadas. "Esta capacidade de transição da ferradura para o movimento quasi-satélite é parte do que torna o 2002 AA29 tão interessante: não se conhece nenhum outro satélite que faça isto", lê-se num comunicado da Queen's University, pois Wiegert também pertence à equipa que estudou este asteróide.Pelos cálculos dos cientistas, a última vez em que pareceu uma segunda lua terrestre foi no ano 550. As próximas começarão em 2600 e 3880. "Vai fazer as suas laçadas, mexendo-se nessa zona mais próxima da Terra, sem nunca chocar com ela. Permanecerá assim durante uns 50 anos, e depois voltará para o movimento de ferradura, onde ficará mais uns milénios", explica Maarten Roos Serote.Não se prevê que colida com a Terra, pelo menos para já. "A combinação da gravidade da Terra e do Sol faz com que, mesmo que a Terra puxe o asteróide, ele acelere e se afaste", refere o comunicado. "Os nossos cálculos indicam que nos próximos milhares de anos, com ou sem o movimento de quasi-satélite, o 2002 AA29 não representa perigo de impacto. A sua distância mantém-se para lá de cerca de 12 vezes a distância a que está a Lua", escreve ainda a equipa na edição deste mês na revista "Meteoritics and Planetary Science". "Mas as nossas simulações tornam-se caóticas depois desse período, por isso não é de excluir um impacto."

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