Pedro Nunes: a maldição da matemática pura

As comemorações do quinto centenário do matemático Pedro Nunes, nascido em 1502 em Alcácer-do Sal, poderão servir para levantar muitos fantasmas sobre a importância da sua obra. A história identificou-o com os Descobrimentos portugueses, para o que contribui o facto de ter sido cosmógrafo-mor de D. João III e professor dos infantes D. Luís e D. Henrique, o futuro cardeal-rei. Mas a verdade é que Pedro Nunes foi essencialmente um matemático puro cujo pensamento, quase sempre meramente teórico mas brilhante, pouco ou nada foi aproveitado pelos pilotos que levaram as naus pelo mundo. Quem é Pedro Nunes quando a figura do mentor das técnicas de marear quinhentistas cai por terra? E que lugar ocupa na cultura portuguesa? "Pedro Nunes marcou um lugar na história da cultura portuguesa apenas porque foi um dos maiores matemáticos do século XVI. E se tal, só por si, não valer, então é porque a matemática não pertence de todo à nossa cultura", defende Henrique Leitão, físico teórico, coordenador da obra de Pedro Nunes para a Academia de Ciências. Anabela Cruzeiro, da Sociedade Portuguesa de Matemática, investigadora, defende que o problema é que a matemática é mal amada entre nós, ao contrário do que se passa noutros países: "É preciso fazer escola e que haja discípulos, é essa tradição que falta em Portugal. Pedro Nunes é um dos poucos bons matemáticos que temos, apesar de também não ter deixado discípulos. Pelos vistos essa parte já é cultural e muito antiga", confessa.Pouco se sabe sobre Pedro Nunes, sobre a sua formação, sobre a sua origem e percurso de vida. E só conhecemos hoje a sua terra natal, Alcácer do Sal, porque a sua assinatura mais comum, Pedro Nunes Salaciense, denunciou a origem do génio da Salácia, antiga denominação de Alcácer do Sal. O facto do seu espólio ter sido desprezado pela família e a sua obra se encontrar espalhada pelo mundo, na sua maioria em mãos de coleccionadores privados, contribui muito para esse desconhecimento. No entanto, a sua importância como matemático dificilmente escaparia à história da ciência, uma vez que são raras as obras de matemáticos europeus do século XVI que não referem o brilhante matemático Pedro Nunes e não o tomam como referência incontornável, muitas vezes ampliando as suas teorias ou confrontando-as com novos factos.Até ao fim do ano, a Sociedade Portuguesa de Matemática e departamentos de matemática de universidades por todo o país, numa iniciativa nacional promovida pelo Ministério da Ciência e da Tecnologia e pela Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica - Ciência Viva, tentam esclarecer o verdadeiro papel de Pedro Nunes na cultura portuguesa e europeia do século XVI através de palestras, mesas redondas, exposições e publicações de artigos de investigadores sobre um dos nomes de maior referência na história da matemática portuguesa e europeia.Identificado pela história como um dos protagonistas da epopeia dos Descobrimentos portugueses, para a qual teria contribuído com vários tratados náuticos e até com instrumentos de navegação, como o nónio ou o anel náutico, o facto é que o pensamento matemático purista de Pedro Nunes tornou a sua obra pouco acessível aos pilotos portugueses e, hoje, os estudiosos de Pedro Nunes afirmam que a influência nos Descobrimentos deste génio dos princípios teóricos matemáticos foi pouca ou mesmo nenhuma. O facto de ter sido cosmógrafo-mor do rei D. João III e das suas vindas a Lisboa, de acordo com registos históricos, ocorrerem quase sempre na Primavera, altura marcada para as partidas das naus, reforçam muito essa relação com os Descobrimentos, que na verdade é bem mais ténue do que muitos acreditam.Mesmo o nónio e as linhas de rumo, ou curvas loxodrómicas, não passaram, naquela altura, de princípios teóricos. As equações da náutica matemática, ou especulativa, que inaugurou, não foram nunca aproveitadas pelos pilotos das naus que quase sempre careciam de conhecimento matemático suficiente para as aplicar. Pedro Nunes não foi, decididamente um homem da prática de marear, apesar de uma das suas obras mais célebres, o "Tratado da Esfera", incluir dois dos tratados náuticos mais célebres da história náutica. "Pedro Nunes dava preferência a ideias geniais, mesmo que não servissem na prática. Era essencialmente um matemático. As comemorações só valem a pena se percebermos isto", conclui Henrique Leitão.

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