A poluição da luz

Se olharmos a Terra a partir do espaço podemos ver uma quantidade impressionante de pequenos pontos de luz. São candeeiros de rua e néons publicitários que iluminam as cidades e que propagam inutilmente a luz para todas as direcções. Um artigo publicado na edição de hoje da revista "Science" analisa o impacte da poluição luminosa e apresenta soluções para um uso racional da luz.

Luzes brilhantes, grandes cidades, muitos telemóveis - são estas as armadilhas que os astrónomos têm que enfrentar nos dias de hoje para conseguirem boas visões dos corpos celestes. Aquilo a que os astrónomos chamam poluição luminosa está a impossibilitar uma visão perfeita do céu. E não são apenas os cientistas que sofrem as consequências, todos nós estamos a desperdiçar dinheiro com a emissão desgovernada de luz dos candeeiros de rua para direcções onde essa luz não é necessária. "A poluição luminosa é a forma de interferência humana no ambiente mais comum e mais visível", refere Johannes Andersen, secretário-geral da União Internacional de Astronomia (IAU), num artigo publicado hoje na revista "Science. Como se manifesta esta poluição luminosa? Através da distribuição de luz desnecessária. Os candeeiros das ruas, por exemplo, deviam iluminar apenas os passeios e não reflectirem luz nos vidros dos apartamentos ou nos telhados das casas. A maior parte da iluminação nocturna de rua emite ainda luz directamente para o céu, um local onde certamente não é precisa. Mas, a juntar ao desperdício, toda esta emissão desnecessária de luz dificulta o trabalho dos astrónomos, porque torna o céu artificialmente mais claro. Assim, as fontes de luz distantes, como as estrelas, são difíceis de observar, a não ser a partir de pontos remotos do nosso planeta, distantes de toda esta iluminação. "As galáxias e os quasares estão a tão grandes distâncias da Terra que a sua luz viajou durante um período de tempo que pode corresponder ao dobro da idade do nosso sistema solar - só para se perder no clarão produzido pela nossa civilização, no último milésimo de segundo da viagem", explica-se no "site" na Internet da organização não governamental Dark Sky. Formada em 1988, esta associação tem 2800 membros, espalhados por 68 países, e tem como principal objectivo alertar os Estados para os problemas do impacte ambiental da poluição luminosa. Estamos tão habituados à claridade artificial que observar um céu fora das cidades pode assemelhar-se a uma experiência mística. As estrelas estão mais perto do horizonte e vêem-se em grande quantidade. As constelações desenham-se claramente no firmamento e pode-se ver em qualquer noite meteoros a riscar o céu escuro. A luz emanada pela nossa galáxia é suficiente para nos iluminar o caminho. Um ambiente nocturno saudável deveria reunir estas características. Mas, nas grandes cidades, a luz nocturna é confusa e artificial, algo que contribui intensamente para o acentuar do "stress" que se vive nas cidades durante o dia. Os animais curiosamente também são afectados pela excessiva iluminação das estradas e cidades, como explica Andersen: "Sem escuridão, os animais nocturnos escondem-se ou desaparecem, perturbando ecossistemas delicados".Andersen propõe uma melhoria na concepção das instalações de luz - o que a curto prazo permitirá obter um retorno da energia que já se desperdiçou. Em Tucson, nos EUA, por exemplo, foi aplicada uma política de utilização eficaz da luz. Os habitantes desta cidade utilizam lâmpadas com baixa voltagem e instalaram nas suas casa sensores de infra-vermelhos que identificam a presença de alguém nos compartimentos, ligando automaticamente a luz. Foram ainda concebidas instalações de luz com "designs" que direccionam a luz apenas para os locais onde é necessária. "A associação Dark Sky tem estado a trabalhar para que outras cidades no mundo possam beneficiar desta experiência. Novos observatórios [astronómicos] podem ser construidos junto destas áreas protegidas, longe da luz emanada da terra e da interferência dos sinais rádio", elucida o secretário-geral da IAU. Estão a ser planeados para a próxima década projectos espaciais "com um impacte ambiental imprevisível e que podem ser desastrosos para a astronomia", avisa Andersen. Arte, publicidade e geradores de energia idealizados para funcionar no espaço são exemplos citados pelo cientista de origem dinamarquesa. Alguns países estão ainda a testar espelhos espaciais (que reflectem energia do Sol para a Terra) concebidos para iluminar determinadas áreas da Terra. "Como proporcionam uma visão quase directa do Sol, é possível que a vida selvagem e os olhos dos humanos sejam afectados". Na perspectiva de Andersen, a crescente liberalização dos mercados de produção de equipamentos espaciais pode aumentar o número de ameaças concebidas para circular na baixa órbita da Terra. O relatório final do simpósio "Preservar o céu astronómico", organizado no ano passado pela IAU e pelas Nações Unidas, que foi aprovado por mais de 100 países, recomenda, aliás, que o impacte ambiental de todas as actividades espaciais deve ser verificado.

Sugerir correcção