A ILHA DOS TIGRES MARSUPIAIS OU A RECEITA PARA EXTINGUIR UMA ESPÉCIE

Como em geral gostamos de números redondos para invocarmos qualquer coisa, faz hoje 70 anos que morreu o último tigre da Tasmânia, no Jardim Zoológico de Hobart, na Austrália. Hoje, naquele país é o dia nacional das espécies ameaçadas. Carnívoro de algum porte, o tigre da Tasmânia era um marsupial, muito mais aparentado com cangurus e coalas do que com qualquer tigre asiático ou lobo europeu. Como os seus parentes ainda vivos, a fêmea cuidava da prol dentro de uma bolsa durante algum tempo, antes de estes estarem preparados para seguir ao lado da progenitora.
Tal facto inquietou e encantou os primeiros naturalistas europeus que tiveram contacto com a espécie, mas o seu aspecto semelhante aos tigres e lobos do velho continente mantiveram a desconfiança dos novos colonos europeus da ilha, determinados em criar ovelhas com o saber que traziam do outro lado do mundo, minimizando as perdas a qualquer custo.
Estávamos em 1888 quando o Parlamento Regional da Tasmânia decretou uma recompensa de um dólar australiano por cada animal abatido, com vista a erradicar aquela espécie daninha que tanto ameaçava a criação de gado. Até 1909, quando foi decidido acabar com o processo, por questões económicas mais que conservacionistas, foram pagas 2184 recompensas por um igual número de carcaças, levando a população a um declínio irreversível.
Alguns animais foram ainda capturados e mantidos em zoológicos. Mas o último morreu há 70 anos, tendo a sua carcaça ido directamente para o lixo.
Nesse mesmo ano de 1936, o tigre da Tasmânia foi adicionado à lista de espécies em perigo. Tarde demais. Nunca mais se viu nenhum, apesar das chorudas recompensas que ainda hoje perduram. Hoje discutem-se projectos de tentar clonar a espécie a partir de um feto guardado em álcool num museu há mais de 100 anos, apregoando os defensores de tal ideia com o fim da extinção. Do outro lado da barricada, os mais críticos dizem que a extinção é para sempre e que desta espécie apenas nos resta ficar com uma fraca memória.
O tigre da Tasmânia é, por tudo, isto um símbolo. Um símbolo da vulnerabilidade das espécies e dos ecossistemas face à espécie humana. Um símbolo da mudança de atitude de toda uma comunidade que em tão-só 27 anos passou de querê-lo morto a desejá-lo vivo.
O tigre da Tasmânia é também um ícone, presente no escudo e nas chapas de matrícula dos carros da Tasmânia, e numa quantidade imensa de merchandising por aquelas paragens.
O tigre da Tasmânia é, por último, um herói. Um herói por ter resistido estoicamente a muitas guerras ao longo da sua evolução como espécie. Como herói perdeu a última guerra contra a nossa espécie, que como quase todas as guerras que nos envolvem, já estava por ele perdida antes sequer de começar. Mas como o herói do Reinaldo Ferreira, serve-se morto. Gonçalo Calado, Biólogo

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