Três portugueses recebem 5,9 milhões de euros europeus para investigação

Da divisão celular até ao impacto dos anos de austeridade na escolha do voto dos eleitores, três cientistas portugueses viram os seus projectos financiados pelo Conselho Europeu de Investigação.

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A divisão celular permite a continuidade e a complexidade da vida na Terra. É através dela que os nossos tecidos são continuamente regenerados. Mas quando é mal feita pode originar um cancro. Na divisão, os cromossomas da célula-mãe são distribuídos equitativamente pelas duas células-filha graças a um sistema de controlo. No entanto, há muitos pormenores desconhecidos. Agora, Helder Maiato, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S) da Universidade do Porto, vai poder estudar profundamente estes fenómenos com um projecto financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC, sigla em inglês) da União Europeia (UE) em 2,3 milhões de euros.

Como ele, também Mónica Bettencourt-Dias, bióloga do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, e Marina Costa Lobo, politóloga do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, receberam financiamento das bolsas de consolidação do ERC. Ao todo, Portugal obteve agora 5,9 milhões de euros.

“Temos vivido num quadro de crescentes dificuldades financeiras na ciência, e as ciências sociais ainda mais”, diz Marina Costa Lobo, que recebeu 1,6 milhões de euros para um projecto de cinco anos. “Este financiamento permite construir uma equipa de seis pessoas.”

O projecto da investigadora é uma resposta à realidade dos últimos cinco anos, em que a política de austeridade se impôs em vários países da UE, como Portugal, Grécia, Espanha e Irlanda. “O objectivo é compreender em que medida é que a UE, enquanto tema político, entrou no debate público a nível nacional.”

Segundo Marina Costa Lobo, até ao início da austeridade a UE era vista com unanimidade na maioria dos países. Por outro lado, as eleições legislativas eram um momento em que os cidadãos tinham oportunidade de “premiar ou castigar” um governo, em que a política económica era “muito importante para determinar o voto”. Mas com a crise “as pessoas finalmente compreenderam que o centro de poder económico estava em Bruxelas”, considera a cientista.

O projecto de investigação vai passar por inquéritos a cidadãos e analisar conteúdo noticioso daqueles quatro países e também da Alemanha e da Bélgica – que, em contraciclo, viveram tempos de crescimento económico – para avaliar “em que medida é que os eleitores continuam a responsabilizar os seus governantes”, explica a cientista, acrescentando que “precisamos de compreender a forma como as pessoas tomam decisões eleitorais”.

Se parte do financiamento da politóloga vai ser para pagar cientistas, permitindo construir um núcleo de investigação que irá especializar-se num tema tão actual, já Mónica Bettencourt-Dias irá usar uma boa parte dos dois milhões de euros que recebeu em microscópios. “A tecnologia é crítica”, explica a bióloga, dizendo que é difícil obter financiamento em Portugal para comprar instrumentos de ponta.

O grupo do IGC liderado pela cientista estuda os centríolos. Estes tubos organizam-se nas células do corpo e cumprem diferentes funções consoante as células: por exemplo, permitem pôr a cauda dos espermatozóides em movimento, são as “antenas” dos neurónios olfactivos que ajudam a ler os cheiros (as moléculas) que atingem o epitélio olfactivo e são importantes na divisão das células.

O mau funcionamento dos centríolos pode originar doenças. Uma das consequências mais óbvias é a infertilidade masculina. Para compreender a origem destas doenças, a cientista quer descobrir o que controla a formação e a destruição dos centríolos, já que nalguns tipos de células estas estruturas mantêm-se durante a vida toda do organismo – como nalguns neurónios – enquanto noutras são destruídas rapidamente.

Mas é difícil estudá-los. “A sua estrutura é 100 vezes mais pequena do que o corte transversal de um cabelo”, compara Mónica Bettencourt-Dias. Até há poucos anos, era muito difícil observar os centríolos em microscópios que não fossem electrónicos – que exigem uma técnica muito demorada. Os novos microscópios de híper-resolução, graças a novas técnicas, permitem uma maior resolução. “É a diferença de um projecto demorar seis meses ou uma tarde.”

Também Helder Maiato quer adquirir um microscópio de híper-resolução. Neste caso, servirá para observar a disposição dos cromossomas na divisão celular, que se organizam graças a um “GPS celular” formado por “auto-estradas” da célula. Estas auto-estradas são feitas por microtúbulos – tubos constituídos por proteínas que dão indicações geográficas aos cromossomas. Mas o cientista defende que há “outros veículos que lêem este código para assegurar a disposição dos cromossomas” e é isso que quer descobrir.

Por outro lado, o investigador quer destrinçar um sistema de controlo da divisão celular apoiado na proteína aurora B. Durante a divisão, a proteína existe num gradiente que vai do mais para o menos concentrado. Os cromossomas dispõem-se tendo em conta este gradiente para que estejam suficientemente separados e cada célula-filha ficar com o mesmo número de cromossomas. Mas haverá mais proteínas importantes cujo papel é desconhecido: “Vamos estudar todas as proteínas relacionadas com a aurora B.”

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