Sobreviverão os oceanos às ameaças do Antropoceno?

Futuro dos oceanos junta cientistas em conferência em Vila Real esta semana.

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evr enric vives-rubio

A discussão sobre uma nova época na vida da Terra não é recente, mas os últimos dados apresentados ao Congresso Geológico Internacional, em Agosto, veio acelerar o debate. “Os impactos que os humanos tiveram na Terra são agora tão grandes que, em Agosto, um grupo de especialistas apresentou uma recomendação ao Congresso para alertar que devia ser anunciada a nova época geológica do Antropoceno”, diz-nos Niall McDonough, secretário-executivo da European Marine Board (EMB), o principal grupo de reflexão na Europa sobre políticas de ciência marinha.

Niall McDonough é um dos 140 conferencistas, de 14 países, que vêm à Conferência Científica Internacional Campus do Mar 2016 com o tema Oceanos: desafios de um futuro sustentável, esta quinta e sexta-feira na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, na altura em que se comemora (esta quarta-feira) o Dia Nacional do Mar. “O Antropoceno terá começado por volta de 1950, segundo um grande número de sinais, sendo um deles a proliferação da poluição de plásticos nos rios, costas marítimas, mares e oceanos”, alerta Niall McDonough.

No cargo que desempenha, o orador está numa posição privilegiada para reconhecer a tensão que se vive na actualidade. “Esta conferência consegue reunir investigadores de diferentes disciplinas, tanto novatos como veteranos, para apresentarem os seus estudos, mas o verdadeiro valor acrescentado está em criar relações com as investigações de colegas e gerar novos meios de atacar problemas complexos relacionados com a sustentabilidade dos oceanos.”

Quanto aos maiores desafios dos próximos anos, considera a poluição marítima como um dos maiores: “Estima-se que entre 4,5 a 12,7 milhões de toneladas de plástico foram libertados nos oceanos em 2010 e um estudo recente estima que, neste momento, ainda há cerca de 1455 toneladas da flutuar no Mediterrâneo.”

Mas o plástico é apenas a ponta do icebergue: “Aumento da temperatura e do nível da água do mar, transformações nos hábitos alimentares, extinção de espécies animais e vegetais, acidificação dos oceanos, pesca excessiva, destruição de habitats, poluição química, entre outros problemas”, enumera ainda Niall McDonough. “Precisaremos de esperar até algum ponto extremo ter sido alcançado e o oceano não conseguir mais absorver os impactos das actividades humanas?”

Esta é uma das questões a abordar na conferência, que tratará ainda temas como a utilização sustentável dos recursos marinhos como energias renováveis, a prevenção e resposta aos tsunamis, a avaliação ambiental das zonas costeiras e o planeamento costeiro e marítimo, bem como o progresso tecnológico e a gestão portuária.

Do "Brexit" a Trump

John Largier, oceanógrafo da Universidade da Califórnia (EUA) e outro dos oradores na conferência, reconhece os esforços das sociedades para reduzirem o desperdício e a poluição. Mas alerta que estes problemas vão manter-se “porque há demasiadas pessoas concentradas em certos locais”: “A prioridade é reduzir tanto quanto possível, e depois é preciso identificar e mitigar os piores impactos na costa e nos estuários – rias, baías, lagoas”.

Mas e quando o seu país acaba de eleger um Presidente (Donald Trump) que não vê as alterações ambientais como alarmantes, John Largier não consegue esconder o desânimo: “Durante estas eleições, ouvimos algumas declarações irresponsáveis do Presidente-eleito, que são baseadas ou numa falta de entendimento ou numa falta de interesse pelo nosso país e a sua população. Veremos como corre daqui em diante. As preocupações permanecem as mesmas e penso que vamos continuar a progredir, mas será mais difícil.”

Também David M. Paterson, da Universidade de St. Andrews e director-executivo da Aliança Marinha para Ciência e Tecnologia da Escócia, reconhece a situação instável em que o Reino Unido se encontra devido ao "Brexit". “A Escócia tem um longo historial de dependência do mar, da pesca e dos transportes marítimos, por isso precisamos efectivamente de compreender como desenvolver as melhores políticas de gestão dos sistemas marítimos e como equilibrar as pressões entre os utilizadores, ao mesmo tempo em que permitimos uma exploração sustentável. Isto é fácil de se dizer e difícil de pôr em prática. O "Brexit" vai ocupar uma grande parcela do tempo do Governo, só para se estabelecer como vamos lidar com a mudança, e tanto há perspectivas de boas oportunidades como problemas no horizonte.”

Para David M. Paterson, o desmantelamento das plataformas de exploração de petróleo e gás vai ser um assunto sério ao longo dos próximos anos na Escócia, em especial no Mar do Norte.

Um projecto ibérico com o mar no centro

 A Campus do Mar, criada em 2011, é uma rede de investigação internacional com sede na zona da Galiza e Norte de Portugal e pretende reunir instituições do ensino superior e agentes socioeconómicos na área das ciências do mar. Envolve actualmente 11 instituições: as universidades de Aveiro, do Minho, de Trás-os-Montes e Douro, do Porto, de Vigo, de Santiago de Compostela e da Corunha, e os institutos politécnicos de Leiria e de Viana do Castelo, além do Instituto de Oceanografia do Conselho Superior de Investigações Científicas espanhol.

Para Emilio Fernández Suárez, director do Campus do Mar, esta conferência é uma boa oportunidade para apresentar os estudos em curso na Galiza e no Norte de Portugal, “dois territórios historicamente associados ao mar e cujas capacidades na geração de novo conhecimento neste âmbito são notáveis à escala da Europa”. O encontro servirá ainda para assinar um novo convénio do Campus do Mar, que virá alargar a parceria com a Universidade de Coimbra e o Instituto Politécnico do Porto.

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