Ruivacos-do-oeste repovoam rio Alcabrichel

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Os ruivacos-do-oeste só existem em três rios portugueses Rui Gaudêncio (arquivo)

A investigadora Carla Sousa Santos está sentada à sombra com um ruivaco-do-oeste na mão. A mão treinada corta um pedaço da barbatana dorsal do peixe, enquanto o pessoal do Aquário Vasco da Gama está atarefado a terminar os preparativos para se soltar 400 indivíduos desta espécie no rio Alcabrichel, na zona de Torres Vedras.

O ruivaco-do-oeste, Achondrostoma occidentale, é um peixe criticamente em perigo, uma situação de emergência no plano da conservação. Só existe em três rios portugueses, fustigados pela poluição. Num deles, a última vez que se viu o peixe, foi antes do Verão seco de 2005. Por isso o trabalho que está a ser realizado neste projecto é o último recurso de salvação desta espécie.

“Foi um óptimo timing porque este ano a reprodução foi tardia. Estes peixes vão desovar no meio natural e vão contribuir para a densidade populacional lá”, disse ao PÚBLICO a bióloga do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), que falava calmamente enquanto executa o trabalho. Peixe na mão, corte na barbatana, peixe no balde, pedaço da barbatana num tubo de plástico em álcool, novo peixe na mão. Quatrocentas vezes, um instante.

Estamos no cimo do edifício dos tanques do Aquário Vasco da Gama, em Algés. É aqui que desde 2006 Fátima Gil, a bióloga do aquário, tem desenvolvido o trabalho de reprodução em cativeiro desta população de peixes.

Começou com apenas 20 ruivacos-do-Oeste adultos vindos do rio Alcabrichel. Nos anos seguintes, a reprodução dos peixes foi suficiente para fundar outra população na Estação Aquícola de Campelo, em Figueiró dos Vinhos, gerido pela Quercus. De Campelo já vieram 400 peixes, introduzidos no Alcabrichel há duas semanas. Com os 400 de hoje, a população vai ganhar um novo folgo.

Durante estes anos, Fátima ficou a conhecer estes peixes como ninguém. “Todas as espécies têm diferenças”, disse enquanto arruma os últimos apetrechos. “Os ruivacos-do-oeste são extremamente tímidos, mas são muitos activos. Gostam de sombra e comem de tudo, têm muito apetite, na natureza devem ficar cheios de fome”

A experiência já serviu para a publicação de um artigo. Agora, a evolução da população dos peixes no Alcabrichel vai dar números reais a modelos teóricos. É por isso que Carla Sousa Santos corta barbatanas. Com os pedaços é possível analisar a variabilidade genética das populações dos tanques e comparar com a natural. “Prevê-se que há uma perda de variabilidade na conservação ex-situ, mas nunca se quantificou”, disse a cientista, que defende que este projecto é “pioneiro” na conservação dos peixes.

Depois do Verão vai haver nova monitorização da população do rio. “Os peixes regeneram a barbatana dorsal como se fosse uma unha”, explica a bióloga. Mas fica uma cicatriz. Pode-se identificar a percentagem de peixes que veio do Aquário Vasco da Gama e será possível olhar para a variabilidade genética futura.

Entretanto, os 400 peixes são colocados num tanque de 1500 litros numa carrinha de caixa aberta. É aqui que são levados até a um troço do rio Aldabrichel, perto povoação do Ramalhal, a dez quilómetros a norte de Torres Vedras.

O projecto que arrancou em 2006 está longe de chegar ao fim, mas este é um momento marcante para a equipa. “O trabalho científico fica muitas vezes limitado às publicações”, disse Carla Sousa Santos. “Estarmos a contribuir para salvar uma espécie é muito bom.”

O ruivaco-do-oeste só foi identificado em 2005 pela equipa do ISPA liderada por Vítor Almada. Antes, pensava-se que as populações dos rios Alcabrichel, Sizandro e Safarujo pertenciam a outra espécie de ruivaco que existe mais a norte. Almada apercebeu-se do perigo de extinção desta e de mais quatro espécies portuguesas e decidiu ir em frente com o projecto de conservação que uniu o ISPA, o Aquário Vasco da Gama e a Quercus, entre outros organismos.

A associação ambientalista teve um papel importante em recuperar um troço do rio de 300 metros. Retirou o canavial junto às margens. Plantou mais de duas mil árvores e utilizou técnicas naturais para a manutenção das margens. Os primeiros 400 peixes ficaram aqui.

Os que são levados agora vão para outro local mais a montante, que ainda mantém uma vegetação que dá sombra ao caudal. Aqui, a equipa volta a despejar os peixes do tanque grande para sete baldes de 100 litros que são transportados até ao rio.

Junto à margem, colocam água que corre nos baldes para os peixes se adaptarem à temperatura. Fátima Gil entra até meio do Alcabrichel com botas de borracha até meio das pernas e entorna um deles. Lentamente, as várias gerações de peixes começam a sair. “Olha a mãe dele, agora é a avó. Lindo. Estes aqui estão a nadar naquela direcção”, diz Fátima, apontando para montante.

“Ali há muita sombra, embora do outro lado haja uma cascata bem boa. Aqui está óptimo para esta época, há muito refúgio”, constata Carla Sousa Santos, a meio da descida. “Pois é, eles estão ovados. Tão giros, quando vão, vão todos em fila”, responde Fátima.

Já cá em cima, conversa-se sobre o futuro da espécie. O ideal é todos os anos haver libertações de mais indivíduos criados em cativeiro para ajudar a população natural. Mas as biólogas estão optimistas. “São muito resistentes, não têm doenças, é tipicamente português”, diz Fátima.

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