Ratinhos com Alzheimer recuperam memórias com estímulo de luz

Memórias perdidas no início da doença podem ser recuperadas em ratinhos, mostra estudo que usou a estimulação de neurónios com luz. No futuro, descoberta pode ajudar a tratamentos em humanos, defende cientista.

Fotogaleria
Célula nervosa do hipocampo (a verde) de um ratinho com Alzheimer associada a uma memória de medo Dheeraj Roy
Fotogaleria
Parte do hipocampo de um ratinho com Alzheimer com placas de beta-amilóide a vermelho Dheeraj Roy

Os primeiros sinais da doença de Alzheimer passam por esquecimentos de experiências recentes. Não se sabia se estas memórias nem sequer eram guardadas ou se, por outro lado, estavam guardadas, mas os doentes no início da doença deixavam de conseguir aceder a elas. Uma nova investigação científica aponta para a segunda opção. O trabalho, feito em ratinhos que desenvolvem uma versão desta doença, mostrou que nas primeiras fases da Alzheimer as novas memórias são guardadas e, depois de esquecidas, podem ser recuperadas durante algum tempo, segundo o artigo publicado na última edição da revista científica Nature.

“O ponto importante é que este trabalho é uma prova de conceito”, diz Susumu Tonegawa, citado pela agência American Press, que pertence ao Riken-MIT Centro para a Genética dos Circuitos Neuronais, que fica no Instituto Massachusetts de Tecnologia, em Cambridge, nos Estados Unidos, e é o líder da equipa autora do trabalho. “Ou seja, mesmo que pareça que a memória tenha desaparecido, ela ainda está lá. É uma questão de saber como é que a recuperamos.”

A Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que costuma surgir em pessoas com mais de 60 anos. A sua origem continua a ser um dos mistérios das neurociências. Uma das pistas mais importantes é o aparecimento no cérebro das pessoas com Alzheimer de placas de beta-amilóide, uma molécula composta por vários aminoácidos. Mas não se sabe se o aparecimento destas placas são uma causa ou uma consequência da doença de Alzheimer. Há muitas perguntas. O certo é que nas análises ao cérebro das pessoas que morreram com Alzheimer encontram-se as placas de beta-amilóide e outras características recorrentes, como fibrilhas dentro das células nervosas.

A estas alterações fisiológicas está associada uma sequência mais ou menos típica de sintomas que começam pelo esquecimento de memórias recentes, como já se referiu, ou por uma menor capacidade de atenção e de percepção das coisas. Com o tempo, a perda de memória torna-se mais grave, e as outras capacidades cognitivas deterioram-se. Há também alterações no estado de espírito das pessoas, que se podem tornar agressivas e deprimidas. A doença pode durar até 20 anos. Não há uma cura, apenas tratamentos que podem adiar temporariamente os sintomas. Em Portugal, a doença atinge cerca de 100.000 pessoas. No mundo, 35 milhões têm Alzheimer.

A equipa de Susumu Tonegawa foi estudar em ratinhos a perda de memórias no início da doença. Para isso, os cientistas usaram um método de aprendizagem pelo medo. Colocaram ratinhos numa caixa onde são aplicados choques eléctricos fracos nas suas patas. Quando voltaram a entrar nas caixas, os ratinhos saudáveis ficaram paralisados de medo, mostrando que tinham memória do que lhes aconteceu. Mas os ratinhos que apresentavam os primeiros sintomas de Alzheimer movimentaram-se normalmente, não parecendo lembrar-se dos choques eléctricos.

Esta memória associada ao medo está codificada em células nervosas (neurónios) situadas no hipocampo – uma região que fica na base do cérebro. Os cientistas usaram uma técnica com vírus para detectar exactamente qual era o grupo de células responsável pela memória de medo do choque eléctrico durante a experiência. Depois de ter identificado essas células, a equipa usou outro vírus para introduzir um gene que torna aquelas células sensíveis à luz. Esta é uma técnica conhecida por optogenética, onde se aplica luz azul aos neurónios para os estimular.

Depois, os cientistas estimularam com luz os neurónios específicos da memória do medo dos ratinhos com Alzheimer que, aparentemente, tinham esquecido a experiência do choque eléctrico. E quando voltaram a colocar os ratinhos na caixa, eles paralisaram, mostrando que a memória estava lá. Mas em menos de um dia, os cientistas verificaram que os ratinhos voltavam a perder a memória. Por isso, a equipa estimulou repetidamente os neurónios com a luz, e os ratinhos conseguiram manter aquela memória de medo por mais seis dias.

Os investigadores verificaram que esta recuperação prolongada da memória estava associada a uma maior ligação física entre as células nervosas. Os neurónios comunicam entre si por contactos das membranas celulares, chamadas sinapses. Em ratinhos com Alzheimer, há menos contactos entre as células nervosas. “Mostrámos pela primeira vez que uma maior conectividade de sinapses pode ser usada para tratar a perda de memória em modelos de ratinhos no início da doença de Alzheimer”, diz Dheeraj Roy, citado num comunicado do Riken.

Os cientistas acreditam que a técnica possa ajudar os ratinhos a prolongar a memória durante alguns meses, o equivalente a dois ou três anos em humanos. Invariavelmente, com a progressão da doença, esta memória esvair-se-á.

Apesar de não se saber como fazer este tipo de intervenções em humanos, nem se saber se resultariam, Susumu Tonegawa defende que este estudo ajuda a definir as regiões no cérebro que poderão ser alvo de tratamentos: “É possível que no futuro alguma tecnologia seja desenvolvida para activar ou inactivar células no interior do cérebro, com maior precisão. A investigação básica feita neste trabalho dá informações sobre as populações de células alvo, o que é crítico para tratamentos e tecnologias futuras.”

Sugerir correcção
Ler 22 comentários