Quanto tempo é que os ovos dos dinossauros levavam a chocar?

Não se sabia qual era o tempo de incubação dos dinossauros. Um grupo de cientistas analisou a dentição de embriões – é que eles são muito raros – e chegou agora uma conclusão.

Foto
Embrião da espécie de dinossauro Protoceratops andrewsi Museu de Hstória Natural da América M. Ellison

Podemos colocar já os factos assim: as aves são os dinossauros de hoje. Por isso, quem estuda os dinossauros tem de ter em consideração a evolução das aves. A ligação entre os dinossauros e as aves começa mesmo antes do nascimento das crias destes grupos, ou seja, no período de incubação. E pensava-se que os dinossauros e as aves levassem o mesmo tempo a chocar os ovos. Mas não. Um estudo publicado esta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, concluiu que o período de incubação dos dinossauros não-avianos era semelhante à dos répteis, durando entre três meses a seis meses.

Tem sido uma questão difícil para os cientistas: quanto tempo é que os ovos dos dinossauros levavam a incubar? Para dar uma resposta a este osso difícil de roer, uma equipa coordenada pelo biólogo Gregory Erickson, da Universidade Estadual da Florida (EUA), analisou duas espécies de ornitísquios. Esta ordem de dinossauros era caracterizada por ser herbívora, com focinho bicudo e a estrutura da pélvis (bacia) assemelhava-se à das ave e tanto podiam ser bípedes como quadrúpedes.

Os primeiros embriões analisados pertencem à espécie Protoceratops andrewsi, que em adulto podiam chegar a medir 1,80 metros de comprimento. Os fósseis estudados são de 12 ovos encontrados num ninho no deserto de Gobi, na Mongólia, em sedimentos do período Cretácico Superior (mais exactamente do andar Campaniano, ocorrido entre 84 milhões a 72 milhões de anos). Neste momento, estes fósseis estão o Museu de História Natural da América, em Nova Iorque. Cada ovo contém um esqueleto de um embrião ossificado, tem a dentição totalmente formada e eclode em média quando alcança os 194 gramas.

Os outros embriões estudados são da espécie Hypacrosaurus stebingeri, cujos indivíduos adultos alcançavam os nove metros de comprimentos. Estes ovos foram descobertos em depósitos fluviais, também com 84 milhões a 72 milhões de anos, pelo Museu Real de Paleontologia Tyrrell, no Canadá, entre 1987 e 1999. Os seus embriões têm cerca de 57 centímetros de comprimento e pesam cerca de quatro quilos, encontrando-se em avançado estado de desenvolvimento. No conjunto, têm cinco tipos de dentição preservados.

Mas porquê dar alguma relevância à dentição dos embriões de dinossauros? Porque foi através dos seus dentes que se resolveu o enigma do tempo de incubação dos dinossauros. Pode dizer-se que tudo começou há 20 anos, quando o biólogo Gregory Erickson teve a ideia de estudar a incubação dos dinossauros através da dentição dos seus embriões.

“Descobri linhas de crescimento diárias nos dentes dos embriões, mas não tinha acesso a eles”, disse ao PÚBLICO. Por isso, só conseguiu levar para a frente o trabalho que tinha em mente há cinco anos. A investigadora Darla Zelenitsky, da Universidade de Calgary (no Canadá), também autora do trabalho, disponibilizou os embriões do Hypacrosaurus stebingeri, o que permitiu fazer comparações com os embriões do Protoceratops andrewsi no Museu de História Natural da América.

Para analisar os dentes das duas espécies, usou-se a tomografia computorizada e microscopia de alta resolução. Desta forma, foi possível visualizar melhor a espessura da dentina (tecido que forma o dente e está abaixo do esmalte) e analisar as suas linhas. Com a tomografia computorizada, os investigadores fizeram imagens dos maxilares dos embriões. E, à semelhança dos anéis de crescimento das árvores, a dentina tem linhas formadas com um ritmo diário; e foi isso que a equipa observou usando microscópios de alta resolução. O padrão destas linhas permite estudar também a dentição dos animais, uma vez que o material mineralizado das camadas da dentina se forma de maneira regular e rítmica. “Estas linhas são estabelecidas quando os animais desenvolvem a dentição”, salienta Gregory Erickson em comunicado do Museu de História Natural da América.

Foto
Linhas de crescimento diárias na dentina do embrião de dinossauro Hypacrosaurus Gregory M. Erickson

No Protoceratops andrewsi analisaram-se dentes compostos por dois tipos de dentição, uma funcional e outra de substituição. O tempo de incubação foi então calculado, determinando-se o número de linhas representadas em cada dente. E concluiu-se que cada um tinha 48 dias. A este cálculo juntou-se o tempo de incubação anterior à formação do dente – que era de 34 dias –, pois a dentição surge 42% depois do início do período de incubação. Somando tudo, concluiu-se que o Protoceratops andrewsi tinha em média um tempo mínimo de incubação de cerca de 82 dias. Ou seja, à volta de três meses.

Já no Hypacrosaurus stebingeri foram analisados dentes de três tipos de dentição, duas funcionais e uma de substituição. A dentição funcional teve 55 dias de formação e a de substituição 44 dias, com um período de incubação anterior à formação dos dentes de 72 dias. Feitas as contas, o período total de incubação do Hypacrosaurus stebingeri era cerca de 171 dias, o que equivale a aproximadamente seis meses.

Foto
Embrião da espécie de dinossauro Hypacrosaurus stebingeri Darla Zelinitsky

Estes resultados foram inesperados para a equipa. “A incubação dos ovos dos dinossauros era muito mais lenta do que esperávamos”, diz-nos Gregory Erickson. Os cientistas supunham que o tempo de incubação dos dinossauros fosse semelhante ao das aves – as que hoje existem levam entre 11 a 85 dias a chocar os ovos. “Isto é mais semelhante ao desenvolvimento lento dos embriões de répteis agora existentes”, lê-se no artigo científico. É que os répteis demoram de seis a nove meses a incubar os ovos.  

Esta incubação mais demorada levanta agora novas questões. “Uma longa incubação afectava as gerações seguintes. Sabemos que manter o ovo quente requer recursos consideráveis para o seu crescimento e os dinossauros levavam anos até alcançarem maturidade sexual”, explica-nos Gregory Erickson. O tempo de incubação mais alargado necessitava de uma maior supervisão e controlo dos progenitores, porque os ovos ficavam expostos a mais riscos, incluindo os predadores. O que, por sua vez, implicava uma maior taxa de mortalidade durante a incubação. Os predadores tinham mais tempo para atacar.

Uma peça que faltava no puzzle da extinção

“Esta era a peça que faltava no puzzle”, salienta Gregory Erickson, referindo-se ao facto uma incubação tão longa não ter ajudado à sobrevivência dos dinossauros. A colisão de um meteorito na Terra há 65 milhões de anos levou a uma extinção em massa no final do Cretáceo, incluindo os dinossauros não-avianos. As aves evoluíram a partir dos dinossauros avianos, que sobreviveram a essa grande extinção. O fim do Cretáceo foi então marcado por rápidas mudanças climáticas, resultando em recursos naturais limitados. “Sobreviveram anfíbios, répteis, aves e mamíferos, que terão recolonizado a Terra e ocupado os nichos desocupados”, explica-nos.

Este estudo é pioneiro na paleontologia, sublinha a equipa. Nunca antes se tinha calculado a duração da incubação dos dinossauros. Agora os cientistas esperam fazer o mesmo para outras espécies. “No futuro, podemos testar outras aves e dinossauros primitivos para perceber melhor o seu padrão e determinar a partir de quando é que as aves modernas começaram a incubar tão rapidamente”, diz-nos Gregory Erickson.

Os embriões de dinossauros como o Velociraptor, um terópode (grupo carnívoro e bípede) que viveu há 75 a 71 milhões de anos, também no Cretácico. Contudo, muito poucos embriões de dinossauros têm sido descobertos.

Algumas dessas descobertas foram em Portugal. Em 1993, encontraram-se ovos com embriões de dinossauros carnívoros na praia de Paimogo, na Lourinhã. Mais recentemente, em 2005, voltaram a encontrar-se mais ovos de embriões: ao todo recuperaram-se 500 fragmentos de cascas de ovos, com ossos e dentes de embriões, na praia de Porto das Barcas, na localidade de Atalaia, concelho da Lourinhã. Os fragmentos pertencem a um torvossauro, um dinossauro carnívoro e bípede que tinha os dentes afiados e atingia dez metros de comprimento e duas toneladas. Os achados de 1993 e 2005 são dos embriões de dinossauros carnívoros mais antigos do mundo, com cerca de 150 milhões de anos.

Para Gregory Erickson, os fósseis da Lourinhã são uma “descoberta fantástica”. “Estes embriões são uma raridade dentro dos raros embriões de dinossauro. Os fósseis da Lourinhã são importantes, uma vez que vêm dos dinossauros carnívoros primitivos, os terópodes, dando aos paleontólogos uma rara noção da reprodução neste grupo”, diz-nos o biólogo. “Ainda não os estudei, mas espero conseguir fazê-lo um dia.”

Sugerir correcção
Comentar