Há ciência no Instagram? Investigadores garantem que sim

Investigadores usaram imagens publicadas em redes sociais como o Instagram para traçar um mapa com hotspots e perceber como é que as pessoas valorizam o ambiente à sua volta.

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Fotos de locais na União Europeia publicadas nas redes sociais mostram aquelas que são mais (e menos) valorizadas) Jordan W. Smith/Universidade Estadual de Utah
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Fotografia do instagrammer @voodoolx publicada no livro Life on Instagram 2017 José Miguel Lopes @voodoolx

Um post pode valer mais do que muitas sondagens. Esta parece ser a lógica de um grupo de investigadores que usou imagens e comentários publicados nas redes sociais do Instagram, do Flickr e do Panoramio como uma nova ferramenta de trabalho e fonte de informação. Estas publicações já serviram para desenhar um mapa das paisagens mais populares, ou hotspots e, defendem os cientistas, podem transformar-se num instrumento muito útil para perceber o valor das paisagens e orientar políticas de conservação e planeamento.

“As redes sociais podem transformar a forma como os investigadores recolhem informação e como percebemos e valorizamos o ambiente à nossa volta”, diz Derek van Berkel, investigador na Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos EUA, e um dos autores do artigo “Quantificação à escala continental de valores paisagísticos utilizando dados de redes sociais” publicado na última edição da revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences).

Mais do que os dados obtidos com o algoritmo que desenvolveram e que lhes permitiu interpretar as informações recolhidas nas plataformas sociais do Instagram, Flickr e Panoramio, os investigadores parecem surpreendidos com o potencial desta nova ferramenta de trabalho. Esta nova fonte de informação diversificada “fornece uma alternativa entusiasmante às sondagens sociais de pequena escala, que são caras e difíceis de gerir”, defende Derek van Berkel, citado no comunicado da universidade.

“Usar as redes sociais para descobrir e quantificar o interesse das pessoas nos ecossistemas é uma nova e entusiasmante abordagem para percebermos a importante ligação entre recursos naturais e a saúde e bem-estar das pessoas”, acrescenta no mesmo comunicado Ross Meentemeyer, outros dos autores do artigo.

Há ainda outro autor deste artigo empolgado com este trabalho: “Isto é mesmo entusiasmante porque permite-nos identificar, de uma forma objectiva, que paisagens naturais são valorizadas e usadas pelo público”, nota, também em comunicado, Jordan Smith, investigador da Universidade Estadual do Utah, que conclui: “Estes posts estão a ajudar a ciência.”

Mas, afinal, como? Os investigadores usaram três plataformas sociais que servem para armazenar ou partilhar imagens que, de forma opcional ou obrigatória, são publicadas com as coordenadas geográficas. Usaram um algoritmo para “filtrar” os dados do Instagram, do Flickr e do Panoramio, depois fizeram um mapa com a distribuição geográfica das imagens na Europa e classificaram os sítios, permitindo identificar os lugares mais populares, mais publicados e comentados.

Da análise do padrão encontrado concluiu-se facilmente que “as paisagens mais valorizadas incluem áreas montanhosas, locais próximos de rios ou lagos e áreas junto a grandes centros populacionais”. Em Portugal, sobressai o litoral, especialmente a zona do Algarve, Lisboa, Porto e Coimbra.

@voodoolx não põe geotag

Os utilizadores destas redes sociais são muitos e, na maioria, jovens. O Instagram, por exemplo e só para citar uma das plataformas mais conhecidas, conta actualmente com qualquer coisa como 500 milhões de utilizadores em todo o mundo. “Os dados sobre estas partilhas de imagens dão-nos uma ideia dos valores do millennials, um grupo demográfico muito importante para as decisões futuras sobre o território”, defende Derek van Berkel. Segundo explica, os dados obtidos podem, por exemplo, ajudar os residentes nos Alpes a decidir se usam um determinado local para criar gado, para alojamento ou uma nova estância de esqui. “É difícil colocar um valor numérico na beleza e na inspiração, mas os decisores políticos precisam saber quais os locais que têm valor estético e cultural para poderem desenvolver estratégias de preservação daquelas paisagens”, diz o investigador, acrescentando que estas decisões podem servir de impulso às economias locais.

José Miguel Lopes tem mais de 51 mil seguidores na conta de Instagram, que assina como @voodoolx. É um único português no livro Life on Instagram 2017 que inclui duas imagens suas tiradas na cidade de Lisboa. “Não ponho geotag [informação sobre a localização com as coordenadas GPS] nas minhas fotografias. Não o faço por opção, tenho a mania de que sou artista e gosto que olhem para as imagens, independentemente da localização. Mas a maioria das pessoas põe”, conta ao PÚBLICO.

As imagens de @voodoolx que estão no grande livro do Instagram foram tiradas no Terreiro do Paço e na Praça Luís de Camões. “Uma delas é uma mulher a dar comida aos pombos e podia ter sido tirada em qualquer lugar do mundo”, nota José Miguel Lopes.

Olhando para o mapa apresentado pelos investigadores, o instagrammer confirma que alguns dos locais apresentados como “hotspots” fazem sentido. Mas, confessa, estranha o pico que parece desenhar-se em Coimbra e esperava um sinal mais expressivo em Lisboa e no Porto.

Porém, não duvida do interesse deste estudo e da importância que as redes sociais podem ter como instrumento de trabalho para investigações científicas ou como ferramenta de apoio à decisão sobre os lugares do mundo. “As pessoas vêem imagens de edifícios ou paisagens no Instagram e, quando visitam esses locais, querem ir aos sítios onde foram tiradas as fotografias. De certa forma, as redes sociais guiam os turistas. Eu, por exemplo, tenho uma lista de sítios que quero visitar porque vi fotografias nas redes sociais.” E o mais provável é que, se um dia chegar a algum desses lugares, também publique mais uma fotografia no Instagram.

 

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