Paleoantropóloga portuguesa tem reservas sobre estudo que sugere origem europeia dos humanos

Para Susana Carvalho, os fósseis são muito escassos para permitir retirar as conclusões defendidas nos artigos publicados esta semana.

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Susana Carvalho DR

A paleoantropóloga portuguesa Susana Carvalho colocou esta sexta-feira reservas sobre um estudo internacional que concluiu que as origens dos humanos remontam a 7,2 milhões de anos, mais cedo do que se calculava, e estão na Europa e não em África. A investigadora e professora da Universidade de Oxford, no Reino Unido, disse à agência Lusa, numa referência aos fósseis que foram analisados no estudo, que “o material é extremamente pobre” para se chegar a essa conclusão.

O estudo, publicado na segunda-feira na revista científica PLOS One, defende que a separação entre os grandes símios – de que os chimpanzés são o exemplo mais próximo do homem – e os humanos aconteceu há 7,2 milhões de anos, 200 mil anos antes do estimado anteriormente, e na Europa, mais concretamente no Mediterrâneo Oriental, e não em África, como tem prevalecido.

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Mandíbula do Graecopithecus freybergi Universidade de Tubinga

Os autores da investigação apoiam esta conclusão numa análise mais pormenorizada de dois fósseis descobertos anteriormente na Bulgária e na Grécia – um de uma mandíbula inferior e outro de um dente pré-molar superior –, atribuindo-os a uma nova espécie de pré-humano, o Graecopithecus freybergi.

Para Susana Carvalho, a espécie em causa é apenas um símio, “diferente de outros símios”, e os fósseis não fornecem qualquer informação sobre “as características fundamentais que definem um hominini”, que são a “locomoção parcialmente bípede” e a “redução do tamanho dos caninos”.

Os hominini (ou hominíneos) são o ramo evolutivo que deu origem ao homem actual, enquanto os hominídeos são o ramo evolutivo a que pertencem os grandes símios da actualidade.

A teoria de que as origens humanas estão na Europa e que terá havido uma migração para África “não é absurda”, disse a especialista portuguesa no estudo de fósseis de hominini, mas “não existe uma validação empírica”, ressalvou. “Precisávamos de ter fósseis mais completos, pelo menos um crânio parcial, para se ter alguma indicação mais concreta sobre a locomoção e a dieta”, disse, acrescentando que até à data não há registo sequer de hominini na Europa num período mais tardio, entre os sete milhões de anos e os 1,8 milhões de anos.

“O interessante” no estudo publicado na PLOS One, considera Susana Carvalho, é que os fósseis indiciam que havia “uma diversidade muito maior de símios” antes de os hominini surgirem.

A professora do Instituto de Antropologia Cognitiva e Evolutiva da Universidade de Oxford assinalou que, tanto do ponto de vista genético como do registo de fósseis, as raízes humanas estão em África. Os primeiros hominini, como o Sahelanthropus, que surgiu no Chade há entre sete a seis milhões de anos, e apontado como o mais antigo, “evoluíram no continente africano”.

O deserto do Sara há mais de sete milhões de anos

A equipa internacional de investigadores que conduziu o estudo divulgado na PLOS One datou os dois fósseis com base em sedimentos geológicos e analisou-os com tomografia computorizada, tecnologia que fornece uma imagem processada em computador depois da exposição de um corpo a uma sucessão de raios X.

Os investigadores – da Alemanha, da Bulgária, da Grécia, do Canadá, de França e da Austrália – conseguiram visualizar as estruturas internas dos fósseis e concluíram que as raízes dos pré-molares do Graecopithecus freybergi estão fundidas, uma característica que atribuem ao homem moderno (a nossa espécie) e aos hominini, incluindo os Ardipithecus e Australopithecus. A mandíbula inferior tem características adicionais de raízes dentárias que sugerem, de acordo com o grupo de cientistas, que a espécie Graecopithecus freybergi pode pertencer à linhagem pré-humana.

Susana Carvalho considera que “a fusão das raízes pré-molares é uma característica que tem bastante variabilidade”, pelo que não é suficiente para comprovar a tese de que o Graecopithecus freybergi é um hominini, apesar de a datação dos fósseis “ser válida”.

Para um dos co-autores da investigação e paleoantropólogo da Universidade de Toronto (Canadá), David Begun, citado num comunicado da instituição, “a datação permite direccionar a divisão entre chimpanzés e humanos para a zona do Mediterrâneo”.

Um dos coordenadores da equipa internacional, a paleoantropóloga Madelaine Böhme, da Universidade de Tubinga, na Alemanha, na Alemanha, advoga que “a formação incipiente de um deserto no Norte de África [o Sara] há mais de sete milhões de anos e a disseminação de savanas no Sul da Europa podem ter desempenhado um papel fulcral na divisão das linhagens dos humanos e chimpanzés”. De acordo com um outro artigo da equipa, publicado também na mesma edição da PLOS One, o deserto do Sara começou a estender-se há 7,2 milhões de anos, ao mesmo tempo que se expandiam as savanas ao sul da Europa. A investigadora portuguesa assume como igualmente válida “a reconstituição ambiental de parte da Europa há sete milhões de anos”, na época geológica do Mioceno.

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