Nova terapia com estimulação da medula eficaz em ratos com epilepsia

Dispositivo identifica o início de uma convulsão e envia estímulos para a medula, reduzindo a frequência e duração dos episódios epilépticos. A estratégia usada em ratos pode ter aplicações em humanos

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A técnica aplicada nos ratos necessita de uma cirurgia simples e poderá ser usada facilmente em humanos Adriano Miranda (arquivo)

É uma nova abordagem terapêutica que pode servir para tratar os casos de epilepsia resistentes aos fármacos. O processo passa por colocar eléctrodos na medula espinal e usar uma interface cérebro-máquina que “lê” a actividade cerebral reconhecendo os sinais que antecedem um episódio epiléptico para enviar um sinal eléctrico para a medula e, assim, travar a crise convulsiva. O processo já foi experimentado com sucesso em doentes com Parkinson e agora foi testado em ratos com epilepsia, revelando ser eficaz ao reduzir as crises. Miguel Pais Vieira, investigador do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica, no Porto, é um dos autores do artigo publicado este mês na Nature Scientific Reports.

Cerca de 22% das pessoas que sofrem de epilepsia — ao todo, entre 40 e 70 mil em Portugal — não reage ao tratamento com fármacos. Para estes casos a resposta passa por alternativas (umas mais invasivas que outras) como a estimulação eléctrica cerebral profunda, do nervo vago, no crânio, ou do nervo trigémeo, também no crânio.

“Para se fazer estimulação cerebral profunda, neste casos de epilepsia refractária [resistente aos fármacos], é preciso uma cirurgia extremamente invasiva que faz com que um número de pessoas não a possa fazer. Por outro lado, a estimulação do nervo vago e trigémeo — menos invasiva — não tem tido resultados muito bons”, explica Miguel Pais Vieira ao PÚBLICO. O artigo especifica que no caso da estimulação cerebral profunda a taxa de sucesso é na ordem dos 60%, na estimulação do nervo vago fica entre os 24 e 28% e na do nervo trigémeo estará à volta dos 30%.

A nova abordagem passa por estimular a medula espinal e conseguiu uma diminuição de 44% da frequência das crises epilépticas e de 38% na duração dos episódios. Para pôr este “sistema” a funcionar é preciso colocar eléctrodos na medula espinal e registar a actividade cerebral com um simples electroencefalograma.

“Se pensarmos no sistema nervoso como um conjunto de cabos, pode ver-se um nervo como um fio eléctrico muito fino. Mas na medula espinal encontra-se um cabo muito maior, mais grosso e com mais fios. A hipótese inicial era que talvez o tratamento funcionasse melhor se fosse através deste cabo, com maior poder de condução”, explica o cientista, que fez este trabalho na Universidade de Duke, nos EUA, dirigida pelo conhecido neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis.

A equipa conseguiu detectar em tempo real a “chegada” do início da convulsão. “O animal passeia numa caixa e registamos a sua actividade cerebral e automaticamente é detectado o início de uma convulsão e é gerado o impulso eléctrico que vai para a medula espinal e que interrompe o episódio epiléptico”. Segundo refere, o envio deste impulso acontece num momento definido — quando começa a convulsão. Outros grupos, usando a mesma técnica para a epilepsia, aplicam o impulso eléctrico de forma indiscriminada. O método criado pela equipa do português alcança melhores resultados, assegura Miguel Pais Vieira.

Para lá da epilepsia

As experiências feitas com um grupo de dez ratos foram promissoras, apenas um não reagiu ao tratamento. “Isto dá esperança que esta abordagem possa ser facilmente aplicada em humanos. A cirurgia é simples e a tecnologia já está desenvolvida”, diz o cientista, admitindo que esse é o desejado próximo passo. “É uma operação muito menos invasiva e mais segura do que a da estimulação cerebral profunda.”

“O desenvolvimento desta tecnologia demonstrou que este tratamento individualizado (isto é, que apenas entrega o sinal eléctrico quando é realmente necessário) leva não só à redução do número de crises, mas também a que as crises convulsivas futuras sejam menos violentas”, resume Miguel Pais Vieira. Mas há mais.

“Conseguimos identificar também uma coisa que ainda ninguém tinha identificado, que é uma alteração que aparece antes da convulsão que nos permite ver o tamanho que a convulsão vai ter. Conseguimos prever o que vai acontecer”, revela o investigador. Segundo explica, foi identificada uma “alteração na potência do sinal que pode explicar um dos mecanismos da convulsão”.

Esta descoberta extravasa o campo da epilepsia e abre outras portas. “O que nos sugere é que talvez as doenças neuropsiquiátricas sejam manifestações de alterações nas oscilações do cérebro. Talvez sejam um contínuo de doenças e não sejam doenças separadas”, diz, adiantando que esse é um caminho que já está a ser explorado. Continuando o raciocínio: “O Parkinson e outras doenças como a depressão terão como assinatura neuronal a alteração de frequências. E isso pode permitir fazer um espectro de frequências e perceber que quando estão acima ou abaixo [de um valor] tendem a dar uma determinada doença neuropsiquiátrica ou mesmo neurológica. Elas podiam ser agrupadas quase como híper ou hipoactividade”.

A investigação está em curso no laboratório de Miguel Nicolelis em áreas como dor, Parkinson, epilepsia e ainda em modelos animais de mania e doença bipolar. “A ideia é estudar mais modelos neuropsiquiátricos e ver primeiro se existe uma híper ou hipoactividade, onde é que ela se manifesta e, depois, tentar agir especificamente”, refere Miguel Pais Vieira, anunciando com optimismo que “se conseguirmos modelar as regiões do cérebro onde estes sinais se manifestam usando estímulos eléctricos, optogenéticos [que usa luz para estimular circuitos neuronais] ou farmacológicos e afectar determinados circuitos neuronais, então podemos tratar directamente essas patologias”. 

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