Miniatura de aparelho reprodutor feminino cabe na palma da mão. E funciona

Chama-se Evatar e é uma representação biológica do aparelho reprodutor feminino em versão muito reduzida mas perfeitamente funcional. Estas “miniaturas” podem mudar a investigação e o tratamento de doenças nos órgãos reprodutivos.

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Mulher a Ler, de Fernando Botero

Parece uma pequena caixa de fusíveis com um líquido azul que vai mudando de sítio, passando de um compartimento para outro. O Evatar é feito de tecido humano e contém modelos a três dimensões de ovários, trompas de Falópio, útero, colo do útero e vagina ligados entre si, permitindo a observação dinâmica do ciclo menstrual por um período de 28 dias. Os investigadores dos EUA que desenvolveram esta tecnologia acreditam que vai revolucionar a medicina reprodutiva e avisam que há um projecto ainda mais ambicioso que quer produzir “um corpo num chip”.

Antes de mais, vamos confirmar-lhe que o nome Evatar está obviamente relacionado com conceito Avatar, que remete para uma representação virtual de um ser humano. Aqui, explicam os investigadores envolvidos no projecto, falamos da mulher (Eva) e de uma representação biológica do seu aparelho reprodutor. Mas o mais importante não é a mera simulação de um sistema mas antes o facto de este modelo em miniatura funcionar e poder servir para melhorar a resposta a alguns dos mais graves e comuns problemas de saúde reprodutiva.

O artigo publicado esta terça-feira na revista Nature Communications demonstra, pela primeira vez, que é possível fazer uma cultura de vários tecidos juntos e que esta “mistura” pode funcionar durante algum tempo. Neste caso, a miniatura do aparelho reprodutor feminino funcionou durante um mês, mais precisamente 28 dias, o tempo necessário para que se complete um ciclo menstrual. O modelo permite a produção de hormonas (estrogénio e progesterona) nos folículos dos ovários e a circulação de fluidos entre órgãos, simulando a viagem hormonal que acontece no corpo de uma mulher.

A caixa do Evatar inclui tecidos de ovários, trompas de Falópio, útero, colo do útero e vagina, que estão ligados através de tubos e cabos, num sistema onde circula um líquido azul que imita o sangue. Os investigadores de várias universidades nos EUA que desenvolveram esta tecnologia (chamada microfluídica) incluíram ainda tecido de fígado, porque este órgão metaboliza os fármacos. Uma das mais importantes aplicações deste aparelho reprodutor feminino em miniatura será precisamente testar a resposta a fármacos, avaliando a sua segurança e eficácia.

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O aparelho Evatar, com os vários compartimentos onde estão os diferentes tecidos do aparelho reprodutor feminino Universidade de Northwestern

Mas não só. Segundo os autores do artigo, o Evatar também poderá ser usado para investigar doenças como a endometriose, fibromas, cancro e infertilidade. O objectivo a médio prazo será usar as células estaminais (capazes outros tecidos) de uma doente e criar um modelo personalizado do seu aparelho reprodutor para testar fármacos e encontrar o melhor tratamento.

Uma revolução com limites

A longo prazo, esta pequena caixa da mulher poderá vir a ser integrada num projecto mais amplo que está a ser desenvolvido pelos Institutos Nacionais de Saúde e que pretende (re)produzir um corpo inteiro num chip. “Se eu tivesse as suas células estaminais e criasse um coração, um fígado, um pulmão e um ovário, poderia testar dez diferentes fármacos em dez diferentes doses e concluir: ‘Aqui está o medicamento que vai ajudar na sua doença de Alzheimer, Parkinson ou diabetes.’ É a melhor medicina personalizada que pode existir, um modelo do seu corpo para testar fármacos”, diz Teresa Woodruff, uma das autoras do artigo num comunicado da Universidade de Northwestern.

Os investigadores não escondem o entusiasmo com o Evatar. “É nada mais, nada menos do que uma tecnologia revolucionária”, anuncia Teresa Woodruff, num vídeo que acompanha a divulgação do artigo, adiantando ainda que este aparelho “abre um novo mundo da saúde reprodutiva”. Os tecidos foram feitos em várias instituições e depois unidos nesta caixa com vários compartimentos. A equipa a trabalhar com Teresa Woodruff, por exemplo, foi responsável pela “construção” dos ovários.

Segundo os investigadores, até agora, não existiam modelos animais para estudar alguns problemas do aparelho reprodutor da mulher. O ser humano é o modelo perfeito para investigar doenças do endométrio (o tecido que reveste a parede interna do útero) e outros problemas como fibromas e cancros. “São doenças associadas às hormonas e não sabemos como tratá-las, a não ser recorrendo à cirurgia. Este estudo vai permitir estudar as causas destas doenças e perceber como tratá-las”, refere Joanna Burdette, da Universidade do Illinois, em Chicago, outra autora do artigo e responsável pela “criação” das trompas de Falópio. A investigadora acrescenta ainda que o Evatar será particularmente importante na área do cancro porque permite estudar um sistema de células e a forma como interagem e não apenas células isoladas.

Porém, apesar do entusiasmo dos investigadores, o modelo tem ainda algumas limitações. Um resumo do trabalho na revista Nature nota que o Evatar apenas imita a secreção hormonal acabando por não reflectir toda a função do aparelho que serve para gerar filhos. Fica por saber, por exemplo, qual o papel do sistema imunitário e de que forma afecta o organismo nestas doenças. Ainda assim, para os investigadores que criaram a Evatar, uma importante parte do futuro da saúde reprodutiva encontra-se nesta pequena caixa que cabe na palma da mão.

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