Cientista acusada de fraude reafirma em público validade de técnica de geração de células estaminais

Haruko Obokata pediu desculpas pelos erros cometidos na apresentação dos seus resultados na revista Nature e verteu lágrimas. Mas manteve-se firme ao afirmar que as células que diz ter criado existem mesmo.

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A investigadora japonesa a curvar-se na conferência de imprensa Jiji Press/AFP
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Haruko Obokata a falar na conferência de imprensa Jiji Press/AFP
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Haruko Obokata a falar na conferência de imprensa Jiji Press/AFP
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Haruko Obokata a limpar as lágrimas na conferência de imprensa Jiji Press/AFP

Quarta-feira, pela primeira vez em quase dois meses, a jovem investigadora Haruko Obokata, que se encontra no centro de um escândalo científico e acaba de ser acusada de fraude pelo Centro RIKEN de Biologia do Desenvolvimento de Kobe (Japão), instituição onde trabalha, apresentou-se num hotel em Osaca perante quase 300 jornalistas impacientes para ouvir o seu lado da história, noticiaram as agências internacionais e os média japoneses.

Este é o último episódio de uma controvérsia que começou pouco depois da publicação, em finais de Janeiro pela revista Nature, de dois artigos dos quais Obokata era a autora principal. Naqueles artigos, amplamente mediatizados e que causaram sensação não só entre os especialistas mas também na opinião pública mundial, Obokata e colegas do RIKEN, da Universidade de Tóquio e da Universidade Harvard descreviam uma técnica muito simples de criação de células estaminais, ou seja de células capazes de originar todos os tecidos do organismo (Ver Nova técnica cria células capazes de originar todos os tecidos do corpo, PÚBLICO de 29/01/2014).

A alegada nova técnica, que consistia em fazer regressar a um estado quase embrionário células já diferenciadas de mamíferos (neste caso, células do sangue de ratinhos bebés), mergulhando-as simplesmente numa solução ligeiramente ácida durante cerca de meia hora, era de facto potencialmente revolucionária para a medicina regenerativa personalizada. Isto porque, a confirmar-se a sua aplicabilidade às células humanas adultas, esta forma de “reprogramação” celular poderia permitir a criação, a partir das próprias células de um doente, de células estaminais muito semelhantes às células estaminais embrionárias, mas que não requereria nem a clonagem de embriões humanos nem a manipulação genética das células do doente. Os autores designaram as células assim obtidas de células STAP (sigla em inglês que significa “aquisição de pluripotência desencadeada por um estímulo”).

Só que o entusiasmo em torno das células STAP foi de curta duração. Em meados de Fevereiro, começaram a surgir suspeitas isoladas, em particular acerca das imagens utilizadas nos artigos e da dificuldade que outros cientistas estavam a ter para reproduzir os resultados anunciados. Tanto o RIKEN como a revista britânica abriram então inquéritos para investigar as alegadas irregularidades (ver Questionada credibilidade de novo método de geração de células estaminais, publico.pt de 19/02/2014).

Porém, foi umas semanas mais tarde que se deu o golpe de teatro que fez o escândalo estalar, quando um dos próprios co-autores do trabalho disse que não acreditava nos resultados publicados na Nature e pediu que os artigos fossem retirados da publicação (ver Co-autor de artigos sobre novo método de geração de células estaminais questiona resultados, publico.pt de 10/03/2014).

Fraude ou inexperiência?

Há quem diga que se a polémica em torno das pesquisas de Obokata adquiriu tamanhas proporções no Japão, foi em parte por esta mulher de 30 anos ser considerada uma jovem estrela da ciência num meio tradicionalmente povoado por homens de idade madura.

Seja como for, a seguir os acontecimentos precipitaram-se: uns dias mais tarde, o RIKEN anunciou que mais três dos autores japoneses do trabalho (entre os quais Obokata, que agora desmentiu tê-lo feito) também tinham pedido a retracção dos artigos (ver “Mais três co-autores querem retirar de publicação artigos sobre técnica de criação de células estaminais”, publico.pt de 14/03/2014); novas irregularidades foram detectadas (ver Novas revelações sobre método de geração de células estaminais acentuam suspeitas de fraude, publico.pt de 26/03/2014); e por último, o RIKEN acusou formalmente Obokata de fraude científica, mas sem se pronunciar sobre a existência ou não das células STAP (ver Comité acusa cientista japonesa de fraude em pesquisa sobre células estaminais, publico.pt de 01/04/2014). E já esta terça-feira, Obokata apresentou um recurso contra esse veredicto e anunciou que iria dar a dita conferência de imprensa (ver Cientista japonesa acusada de fraude apresentou recurso e vai dar conferência de imprensa, publico.pt de 08/04/2014).

Nesta quarta-feira, relata a Reuters, Obokata, fazendo um esforço para controlar as lágrimas, falou finalmente em público, admitindo ter havido erros nos polémicos artigos publicados na Nature. Durante as quase três horas que durou a conferência de imprensa, a cientista, que leu uma declaração escrita e distribuída aos jornalistas, curvou-se várias vezes perante a audiência. Pediu desculpa pelos erros cometidos argumentando que foram causados pela sua inexperiência, mas negou ter agido de forma deliberada. “É absolutamente possível explicar como é que os erros apareceram”, declarou.

E acima de tudo, defendeu a sua descoberta. “Mais do que tudo, as experiências foram correctas. A informação existe realmente, quero clarificar que não escrevi de má-fé estes artigos”, disse com a voz a tremer. “Se eu ainda tiver um futuro como investigadora, quero ajudar a desenvolver as células STAP até conseguir que elas possam ser utilizáveis e úteis para alguém.”

Entretanto, um cientista que estava a tentar produzir células STAP desistiu de o fazer, noticiou online há uns dias a revista Science. “Acho que as células STAP não existem e acho que será uma perda de tempo, energia e dinheiro continuar com esta experiência” escreveu Kenneth Ka-Ho Lee, embriologista de Universidade Chinesa de Hong Kong no blogue onde ia descrevendo as etapas da sua tentativa. Contudo, diz esperar que outros continuem a investigar se a técnica permite realmente criar células estaminais.

Notícia da Reuters substituída às 16h50.

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