Esta lagarta acha que os sacos de plástico são muito saborosos

A poluição de plásticos é dos maiores problemas ambientais. De uma lagarta pode vir agora uma solução: um grupo de cientistas viu lagartas a comer plásticos.

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César Hernández/CSIC
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O que é lixo para nós parece que para as lagartas é um pitéu. Uma equipa de cientistas descobriu que a espécie Galleria mellonella, também conhecida por traça-da-cera, cujas lagartas normalmente se deliciam com o mel e a cera das abelhas, e também comem plástico. E quando dizemos plástico, referimo-nos a polietileno, um dos materiais plásticos mais resistentes e que estão na composição dos sacos de plástico das compras. Ou seja, estas lagartas podem ajudar a combater a poluição de plástico no planeta, uma descoberta publicada esta segunda-feira na revista Current Biology.

Só se é lagarta uma vez na vida de um insecto lepidóptero. No caso da Galleria mellonella, que se encontra por toda a Europa (incluindo Portugal), ela apenas é lagarta durante seis a sete semanas e cresce a uma temperatura de 28 a 34 graus Celsius. Durante esse tempo, esta lagarta produz seda e faz o seu casulo. Para isso, tem de comer muito. Como o seu próprio nome indica, a lagarta da traça-da-cera consome mel e cera das colmeias… e, vimos agora, plástico também.

E como veio a descobrir-se isto agora? Além de investigadora do Instituto de Biomedicina e Biotecnologia da Cantábria, em Espanha, Federica Bertocchini é apicultora nas horas vagas. Em 2012, quando estava a limpar as colmeias que tem em casa, reparou que algumas lagartas da traça-da-cera que tinha guardado tinham comido o saco de plástico onde estavam.

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A lagarta da traça-da-cera César Hernández/CSIC

Esse foi então o ponto de partida para a sua investigação, que também contou com cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Primeiro, Federica Bertocchini quis perceber por que é que estas lagartas se satisfaziam com o plástico. É que o polietileno é um dos materiais mais resistentes e difíceis de degradar e está presente em quase todos os sacos de plástico do mundo. Ao todo, um saco de plástico demora quase 100 anos a decompor-se completamente e os mais resistentes levam cerca de 400 anos.

Os cientistas observaram então (através de espectroscopia) como funcionava esta refeição das lagartas. Perceberam que as lagartas não ingeriam apenas o plástico, mas também transformavam o polietileno noutra substância química, o etilenoglicol, e isso deixava uns buracos nos sacos de plástico. “Embora geralmente a lagarta não coma plástico, os cientistas suspeitam de que a sua capacidade é um subproduto dos seus hábitos naturais”, lê-se num comunicado do grupo Cell Press, que edita a Current Biology.

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As lagartas da traça-da-cera podem alcançar os três centímetros César Hernández/CSIC

À procura da enzima

Estas lagartas crescem nas colmeias, cuja cera dois favos de mel é composta por uma mistura de lípidos. Ainda terão de ser feitos mais trabalhos, mas os cientistas pensam que tanto a digestão da cera como do polietileno envolve a quebra de ligações químicas semelhantes. “A cera é um polímero [uma macromolécula natural ou artificial], um tipo de ‘plástico natural’, e tem uma estrutura química não muito diferente do polietileno”, explica Federica Bertocchini, em comunicado. Ora, os plásticos são polímeros sintéticos fabricados geralmente com petróleo, enquanto a cera é um polímero natural.

Depois, percebeu-se que bastavam cerca 40 minutos de contacto com o plástico para que os buracos feitos pelas lagartas começassem a aparecer. E que 12 horas depois um saco de plástico tinha menos 92 miligramas. Mais: esta lagarta não está sozinha neste tipo de alimentação. A traça-indiana-da-farinha (Plodia interpunctella) também destrói plástico, mas, ao contrário da lagarta da traça-da-cera, leva semanas a comer o polietileno do saco.

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Os sacos de plásticos são um dos grandes problemas ambientais Andrés Díaz/CSIC

O anúncio da nova refeição das lagartas da traça-da-cera pode vir a ser uma boa notícia para o ambiente. O polietileno representa cerca de 92% da produção de plástico e 40 % do material dos sacos de plástico. Todos os anos são produzidos cerca de 80 milhões de toneladas de polietileno no mundo. Estima-se ainda que todos os anos cada pessoa use mais de 230 sacos de plástico, o que corresponde a mais de 100.000 toneladas deste tipo de plástico.“Encontrámos um mecanismo capaz de biodegradar o polietileno”, sublinha ao PÚBLICO Federica Bertocchini. “Agora precisamos de isolar a molécula responsável por esta reacção. Se conseguirmos chegar a esse ponto, podemos produzir a molécula in vitro a uma escala industrial. Poderemos livrar-nos assim do lixo de plástico, ou pelo menos da poluição de polietileno.”

Sobre os próximos passos da investigação, Paolo Bombelli, outro autor do estudo, da Universidade de Cambridge, já tem expectativas: “Se uma única enzima for responsável por este processo químico, a sua reprodução em grande escala, com métodos biotecnológicos, deverá ser possível”, disse em comunicado da sua universidade.

Quanto ao futuro destas lagartas, depois de saciadas por mel ou plástico (e combaterem a poluição), é o mesmo de todas as outras: transformam-se em traças esvoaçantes.

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