Embriões humanos em laboratório vivem até recorde de duas semanas

Experiência científica permitiu observar fenómenos que nunca antes tinham sido vistos no desenvolvimento embrionário.

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Embrião humano aos 12 dias e os seus vários tipos de células assinalados com marcadores moleculares Gist Croft/Alessia Deglincerti/Ali H. Brivanlou/Universidade de Rockefeller
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Embrião com seis dias: a branco, os limites das células; a verde, a massa celular interna que originará o próprio embrião; e a púrpura, células que darão tecidos extra-embrionários como a placenta Gist Croft/Alessia Deglincerti/Ali H. Brivanlou/Universidade de Rockefeller

Até aos 12 dias de desenvolvimento, o embrião humano não precisa estar no útero para se desenvolver correctamente. Esta é uma das descobertas de uma equipa de cientistas depois de ter conseguido desenvolver embriões humanos durante quase duas semanas em laboratório – um feito inédito. Os resultados desta experiência científica vêm descritos em dois artigos publicados nesta quarta-feira nas edições online das revistas científicas Nature e Nature Cell Biology. O avanço poderá iniciar uma discussão sobre o limite temporal do desenvolvimento de embriões humanos in vitro para investigação científica, que em países como os Estados Unidos e o Reino Unido é de 14 dias.

Na experiência de uma equipa internacional, que incluía cientistas da Universidade de Rockefeller (nos EUA) e da Universidade de Cambridge (no Reino Unido), foram usados embriões criados por fertilização in vitro. Os embriões que sobram podem ser utilizados em experiências.

Mas havia limitações neste tipo de estudo. A partir do sétimo dia de desenvolvimento do embrião humano, é preciso que ele se implante no útero. Até agora, nunca se tinha conseguido imitar in vitro essa implantação. “Esta parte do desenvolvimento humano era uma caixa preta”, diz Ali Brivanlou, da Universidade de Rockefeller e um dos autores do artigo da Nature, citado num comunicado da sua instituição.

Até agora, o recorde de tempo de desenvolvimento de embriões humanos in vitro era de nove dias. Foi obtido em 2003 por cientistas da Universidade de Oxford (Reino Unido).

Desta vez, os investigadores imitaram o processo de implantação que ocorre no útero das mulheres, usando uma técnica desenvolvida para embriões de ratinhos por Magdalena Zernicka-Goetz, da Universidade de Cambridge, também envolvida no novo trabalho. Neste método recria-se um determinado ambiente químico e usa-se uma estrutura plana adequada para a implantação dos embriões. “Conseguimos criar um sistema que recapitula o que acontece durante a implantação nos humanos”, diz Alessia Deglincerti, da Universidade de Rockefeller, no comunicado.

Na altura da implantação, o embrião humano já se chama blastocisto e é constituído por uma bola oca de células com um grupo de células interiores. Esta bola irá desenvolver-se no embrião e nos tecidos extra-embrionários, como o saco amniótico e a placenta. Na natureza, os blastocistos humanos têm uma forma de disco na altura da implantação, enquanto os dos ratinhos são elípticos. Os cientistas observaram agora in vitro esta diferença já conhecida. “O que aprendemos quando usamos outros modelos animais não é necessariamente relevante para o nosso próprio desenvolvimento, e estes resultados dão-nos informação crucial que não poderíamos obter de outro modo”, frisa Ali Brivanlou.

Para surpresa da equipa, até ao 12º dia os embriões humanos in vitro desenvolveram-se tal como acontece no útero. Isto indica que os sinais químicos que as células trocam entre si são suficientes para os tecidos tomarem a forma certa. Ou seja, até esta data não são necessários os estímulos do ambiente materno, ao contrário do que os cientistas pensavam.

Ao 13º dia, o embrião in vitro tomou um aspecto novo e a experiência foi interrompida por causa de barreiras legais. É no 14º dia que começam a surgir as estruturas que irão dar lugar a partes anatómicas bem definidas, como a cabeça e a cauda. Até a esse momento, esse conjunto de células pode dividir-se e dar lugar a dois indivíduos – dois clones. Depois disso, já não.

“Este momento marca a altura em que o embrião é considerado um indivíduo”, diz Peter Donovan, da Universidade da Califórnia, em Irvine, nos Estados Unidos, que não esteve envolvido no estudo, em declarações distribuídas pela Nature. Para este investigador, o facto de a nova técnica possibilitar o desenvolvimento de embriões humanos in vitro após a implantação recriada em laboratório obriga a pensar naquele limite legal.

“E se os cientistas conseguissem criar embriões humanos após os 14 dias? Talvez pudéssemos começar a compreender as consequências da exposição dos embriões ao álcool”, especula Peter Donovan. “Mas se a fronteira dos 14 dias for ultrapassada, então a sociedade tem de compreender completamente a ciência [que está por trás] e tomar uma decisão informada sobre o uso desta tecnologia.”  

Para já, os cientistas esperam poder ajudar a responder a questões mais simples como a causa dos abortos espontâneos em que o embrião não se implanta no útero. Ali Brivanlou quer analisar exactamente o que acontece desde o momento zero da fertilização, quando ainda só há uma célula: “Gostaríamos de obter uma assinatura molecular completa, e perceber como é que as células comunicam entre si para descobrir qual o tipo de células em que se irão tornar. Esperamos revelar mais sobre este passo vital do desenvolvimento humano.”

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