Eleição de Trump: O fim das ilusões

Esperamos que a justiça social e ambiental ganhe esta luta. De outra forma, perderemos todos.

Todos os esforços que têm vindo a ser desenvolvidos pela comunidade internacional e científica nas duas últimas décadas, que culminaram com o consenso obtido na COP21 em 2015 e materializado no Acordo de Paris, parecem ir por água abaixo com o novo presidente dos EUA, Donald Trump. Este acordo, assinado por 192 países e ratificado por 100 deles representando 70% das emissões mundiais, onde se incluem os dois países mais renitentes e poluidores – China e EUA (com 44% das emissões) – destina-se a substituir o Protocolo de Quioto em 2020 e tem como objetivo manter o aumento da temperatura média mundial abaixo dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais (o limite que os cientistas acreditam ser seguro), provocado pelos gases de efeito de estufa (GEE) de origem antropogénica. É um bom indício de que o combate às alterações climáticas ganhou uma nova urgência política.

O anúncio da vitória do Presidente eleito nos EUA, por coincidência, quando decorria em Marraquexe a COP22 (7 a 18 de novembro 2016), num clima de confiança e otimismo procurando acelerar a operacionalização das regras de funcionamento do Acordo de Paris, deixou grande apreensão e receio em negociadores, comunidade científica e comunidade internacional que lidam com o tema, tanto mais que em cima da mesa das negociações em Marraquexe estavam duas questões bastante sensíveis: decidir a contribuição dos países industrializados para o Fundo Climático Verde, dotado de 100 mil milhões de dólares anuais, para ficar operacional a partir de 2020 e destinado a apoiar os países mais ameaçados e mais pobres na mitigação e adaptação aos extremos climáticos e ainda as metas que cabem a cada país e respetivos períodos para o seu cumprimento. O tema das alterações climáticas é suficientemente dramático à escala global para os EUA ficarem de fora.

O entusiasmo arrefeceu e criou oportunidade a que se instalasse um ambiente de inércia, numa Cimeira que se previa de ação e que acabou dominada pela eleição do novo Presidente e consequentes incertezas relativamente ao abandono do Acordo de Paris, à utilização do seu caráter não-vinculativo para acelerar a produção e consumo de fósseis e, ainda, aos países industrializados que poderiam vir a ser influenciados a abandonar ou a não ratificar o acordo. São os casos, por exemplo, da Rússia, que ainda não avançou com uma data e da Austrália e Japão, que ainda estavam em fase de discussão, no início da Cimeira de Marraquexe.

Todos estes receios resultam de o novo presidente ser um cético assumido em relação ao aquecimento global, a que chamou em plena campanha eleitoral de “fraude inventada pelos chineses para tornar as empresas americanas não competitivas”, minando assim, a confiança do público nas evidências científicas. Além disso, não tem uma política detalhada sobre questões ambientais e é difícil ignorar as nomeações para postos-chave, que têm sido feitas na área do ambiente para a formação do novo governo, que está repleto de pessoas que passaram a sua vida profissional a promover as energias fósseis. Entre eles, o candidato a chefiar a Agência de Proteção Ambiental (EPA), Scott Pruitt, um advogado que sempre se aliou a empresas produtoras de energia para tentar travar as leis que a administração Obama usou para regular as emissões de GEE nos EUA, e Rex Tillerson, ex-CEO da gigante ExxonMobil, nomeado para secretário de Estado.

Restam, como esperança, os sinais contraditórios que tem dado. Por um lado, em entrevista ao The New York Times, Trump disse que tinha a “mente aberta” sobre a mudança do clima. Por outro, a sua equipa de transição já ameaçou cortar a verba da NASA, departamento que opera satélites para monitorar o clima da Terra e fornece dados sobre a mudança da atmosfera.

Esperamos que a justiça social e ambiental ganhe esta luta. De outra forma, perderemos todos.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários