Zion foi a primeira criança a receber transplante de duas mãos e já consegue escrever

Dois anos depois da complexa cirurgia que durou quase 11 horas, Zion Harvey é, para já, um caso de sucesso. Num artigo publicado na revista The Lancet, a equipa médica admite, no entanto, que é preciso mais investigação para avaliar a recuperação a longo prazo

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Fotografia de Zion Harvey cedida pelo Children’s Hospital of Philadelphia DR
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Fotografia de Zion Harvey cedida pelo Children’s Hospital of Philadelphia DR

Quando tinha oito anos, o caso do norte-americano Zion Harvey fez história na história da medicina: foi a primeira criança a receber um transplante de duas mãos, num tratamento pioneiro em que estiveram envolvidas quatro equipas médicas numa operação de quase 11 horas, no hospital pediátrico de Filadélfia, nos EUA. Agora, passados dois anos, o duplo transplante está a ser considerado um “sucesso” pela equipa médica responsável pela operação – num artigo científico publicado na revista The Lancet –, algo que nunca tinha sido anteriormente registado em crianças.

Aos dois anos, Zion teve de amputar as mãos e os pés depois de lhe ter sido diagnosticada septicemia – uma infecção geral que leva à putrefacção de tecidos e outras substâncias orgânicas e que pode ser fatal – o que fez com que ficasse dependente de terceiros durante cerca de seis anos. Os pés foram posteriormente substituídos por duas próteses, com as quais conseguiu “aprender a correr, a saltar e a brincar como qualquer outra criança”, lê-se no site do hospital. Quando tinha seis anos, Zion foi ao hospital para analisar a possibilidade de começar a usar próteses nas mãos. Mas um cirurgião sugeriu algo diferente (e bem mais radical): um duplo transplante de mãos e antebraços, que acabou por se tornar realidade em Junho de 2015.

“Dezoito meses depois da cirurgia de transplantação, [Zion] é capaz de escrever e comer, de fazer a sua higiene e vestir-se de uma forma mais independente e eficaz do que antes do transplante”, escreveu a equipa médica do hospital pediátrico de Filadélfia na revista científica The Lancet. Além disso, a criança consegue agora jogar com um taco de basebol, um dos seus desportos favoritos. “Continuo a ser a mesma criança que toda a gente conhecia quando eu não tinha mãos”, diz o próprio Zion, agora com dez anos, num vídeo publicado pelo Children’s Hospital of Philadelphia. “Agora, consigo vestir-me sem ninguém a ajudar, consigo comer sem ninguém a ajudar”, acrescenta, admitindo que, mesmo assim, sempre foi “independente”.

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Fotografia de Zion Harvey a jogar basebol cedida pelo Children’s Hospital of Philadelphia DR

“A sua sensibilidade continua a aumentar, é incrível”, diz à BBC Sandra Amaral, que faz parte da equipa responsável pelo caso de Zion, explicando ainda que o seu cérebro se reorganizou para conseguir reconhecer as mãos transplantadas como suas.

Um sucesso que poderá ser replicado

No artigo científico, a equipa médica escreve que este tipo de transplante “pode ser feito, com sucesso, em crianças, com resultados positivos a curto-prazo”. Além disso, é referido que outras crianças poderão beneficiar do conhecimento adquirido durante a operação, ainda que seja necessária mais investigação que possa evidenciar como é a recuperação a longo prazo (nomeadamente a reacção a substâncias imunossupressoras ou até mesmo sequelas psicológicas).

Em princípio, a criança terá de tomar medicação durante toda a sua vida para evitar que o corpo rejeite os seus dois novos membros, medicação essa que pode ter efeitos colaterais. Daí que, antes de se fazer uma operação deste género, se deva avaliar se o risco compensará os benefícios que daí possam advir. Apesar dos progressos registados no caso de Zion – que são potenciados por terapia diária e acompanhamento psicológico –, o seu caso era diferente.

Isto porque, quando tinha quatro anos, a criança recebeu um transplante de rim (doado pela sua mãe, Pattie Ray), que fez com que ficasse a tomar imunossupressores, tornando-o um forte candidato a uma cirurgia deste género. Segundo o relatório, houve alguns “episódios de rejeição” durante o primeiro ano mas foram “invertidos”. A médica Sandra Amaral diz também, citada pelo Independent, que “esta cirurgia tem sido muito exigente tanto para a criança como para a família”.

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Zion e a sua mãe, Pattie, que lhe doou um rim. Fotografia cedida pelo Children’s Hospital of Philadelphia DR

Zion Harvey, residente no estado norte-americano de Maryland, não foi o primeiro caso de transplante duplo de mãos – que foi feito pela primeira vez num homem, em 1998 – mas foi o paciente mais novo a receber duas novas mãos. Antes de Zion, uma bebé tinha, em 2000, recebido um transplante de uma mão e de um braço da sua irmã gémea que tinha morrido durante o parto.

As mãos que são transplantadas têm de obedecer a alguns critérios: ter o tamanho certo, o mesmo tom de pele e um grupo sanguíneo compatível. Três meses depois de terem decidido fazer um transplante, surgiu um dador (uma criança que tinha morrido) que correspondia aos critérios supramencionados. Segundo a BBC, Zion Harvey afirma que gostaria de agradecer aos pais da criança a quem pertenciam aquelas que são, agora, as suas mãos.

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