Cromossoma Y terá dificultado reprodução entre neandertais e nós

Análise do cromossoma masculino de um neandertal “espanhol” com 49.000 anos sugere uma causa para o afastamento entre os neandertais e os humanos modernos.

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Neandertais e humanos modernos encontraram-se há menos de 80.000 anos Museu do Neandertal em Mettmann

Tudo leva a crer que não há nas populações humanas actuais genes neandertais do cromossoma Y – o cromossoma do sexo masculino. Em 2010, a genética mostrou que há entre 2,5 e 4% de genoma neandertal em todas as populações humanas excluindo as de origem africana. Esta é uma prova inequívoca de que há muitos milhares de anos os humanos modernos, a nossa espécie, se reproduziram com este parente próximo. Mas é possível que a descendência masculina que resultou destes cruzamentos não fosse viável.

Uma equipa de cientistas analisou o ADN do cromossoma Y de um neandertal encontrado em Espanha, que morreu há 49.000 anos, e comparou-o com os cromossomas Y de populações humanas actuais. Mas não encontrou genes do cromossoma Y neandertal nos cromossomas Y de hoje.

“Apesar de o cromossoma Y dos neandertais poder ter simplesmente desaparecido por deriva genética [quando a informação genética se perde porque a população que a detém não a passa para a descendência], também é possível que incompatibilidades genéticas tenham contribuído para esta perda”, lê-se no artigo da equipa liderada por Carlos Bustamante, da Universidade de Stanford, na Califórnia (Estados Unidos), publicado agora na revista The American Journal of Human Genetics.

Segundo o estudo, é possível que a actividade dos genes do cromossoma Y neandertal nos fetos tenha provocado uma reacção imunitária nas mulheres grávidas (humanas modernas), levando a abortos espontâneos. Neste caso, apenas a descendência feminina entre humanos modernos e neandertais terá sido viável.

Estima-se que os encontros sexuais entre neandertais e humanos modernos tenham ocorrido há menos de 80.000 anos, depois de os humanos modernos terem saído de África. Nessa altura, os neandertais já viveriam na Europa há mais de 400.000 anos. Mas nas dezenas de milhares de anos que se seguiram a esses encontros, o território dos neandertais foi desaparecendo. Os últimos sobreviventes desta espécie terão vivido até há 28.000 anos no Sul da Península Ibérica.

A sequenciação do genoma de neandertais feita nos últimos anos permitiu tirar diversas conclusões sobre aqueles encontros. Uma delas é a de que não há, até ver, nenhuma linhagem materna directa vinda de neandertais. Isto porque não se encontrou nos genomas das populações humanas de hoje ADN mitocondrial de origem neandertal – este ADN está dentro das mitocôndrias, as baterias das células, e passa sempre de mãe para filha. Mas nunca se tinha estudado, neste contexto, o cromossoma Y – que passa exclusivamente dos homens para os filhos.

A análise feita agora permitiu, antes de tudo, olhar para trás na evolução humana. “Caracterizar o cromossoma Y neandertal ajuda-nos a perceber melhor a divergência populacional que levou ao aparecimento dos neandertais e dos humanos modernos”, explica Fernando Mendez, da Universidade de Stanford, num comunicado da Cell Press, editora da revista “The American Journal of Human Genetics”.

Os cientistas usaram a informação de base de dados da sequência genética do cromossoma Y obtida de ossadas do neandertal encontrado em Espanha, na gruta de El Sidrón, nas Astúrias, e compararam-na com o cromossoma Y de chimpanzés e de humanos modernos. Assim, através das diferenças entre as sequências de ADN dos vários cromossomas Y, fruto de mutações que acontecem ao longo do tempo, a equipa concluiu que a separação entre a linhagem dos humanos modernos e a dos neandertais ocorreu há cerca de 590.000 anos – uma data que está de acordo com estimativas anteriores.

Depois, os cientistas olharam para o reservatório genético actual dos humanos modernos à procura de ADN do cromossoma Y de origem neandertal. “Nunca observámos ADN do cromossoma Y dos neandertais nalguma amostra humana [actual] testada”, diz Carlos Bustamante, num comunicado de Stanford. “Isto não prova que ele [este ADN] esteja completamente extinto, mas é provável que sim.”

Por fim, os investigadores analisaram gene a gene do cromossoma Y neandertal e encontraram mutações importantes nas sequências de ADN em três genes em relação aos mesmos genes dos humanos modernos. Os genes comandam a produção de proteínas. Mutações na sequência de ADN dos genes podem não ter efeito na proteína final, mas no caso destes três genes neandertais alteravam ligeiramente estas proteínas.

Estudos recentes mostram que as proteínas dos genes do cromossoma Y no feto podem provocar respostas imunitárias nas mulheres, originando em certos casos abortos espontâneos. Como os genes dos neandertais são diferentes dos genes dos humanos modernos, os autores propõem que esta reacção imunitária tenha sido exacerbada, impedindo assim a gravidez normal de fetos masculinos.

“A natureza funcional das mutações que encontrámos sugere que o cromossoma Y pode ter tido um papel na barreira de transferência genética”, diz Carlos Bustamante. Segundo o comunicado da Cell Press, os cientistas defendem que este factor biológico pode ter “desencorajado a reprodução” entre os dois grupos de humanos, “afastando-os”. Fica a pergunta se este afastamento foi uma das razões para a extinção dos neandertais.

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