Circuncisão em bebés não reduz sensibilidade do pénis na vida adulta

Estudo concluiu que não há diferenças de sensibilidade peniana entre homens adultos que tenham sido circuncidados quando eram bebés e aqueles que nunca o foram.

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Circuncisão dos recém-nascidos não é praticada em Portugal (excepto por questões religiosas ou culturais), mas é recomendada nos EUA Michaela Rehle/Reuters

Circuncisar ou não pode ser uma questão. Há pais, pediatras e outros especialistas que defendem a circuncisão dos rapazes ainda quando são bebés. Outros preferem deixar tudo como está. Em Portugal, a circuncisão à nascença será uma raríssima excepção e só acontece quando há um problema que o justifica. Porém, noutros países, como os EUA, recomenda-se a circuncisão dos recém-nascidos por rotina. Um estudo de investigadores do Canadá publicado na última edição do The Journal of Urology acrescenta mais um argumento a esta discussão, concluindo que a circuncisão feita aos bebés não interfere na sensibilidade peniana na vida adulta.

A circuncisão, ou postectomia, é a retirada cirúrgica do prepúcio, a pele que cobre a glande. Normalmente, a circuncisão é feita por motivos religiosos (como no caso dos meninos judeus e muçulmanos), mas também pode ser uma opção por motivos clínicos em casos de fimose (quando a extremidade do prepúcio se estreita impedindo que a glande seja exposta). Em casos muito raros, também pode ser realizada por infecções recorrentes na região da glande e do prepúcio. A circuncisão pode ser feita em qualquer idade: à nascença, nos primeiros anos de vida e mesmo na idade adulta, nos casos em que o problema não foi resolvido e interfere com a função sexual.

Uma das questões que surge na discussão sobre a circuncisão está relacionada com um eventual risco de perda de sensibilidade peniana na vida adulta. O estudo agora publicado explora este assunto. Os investigadores recorreram a um grupo de 62 homens entre os 18 e 37 anos (30 circuncidados na altura do nascimento e 32 que nunca foram circuncidados).

“Quisemos perceber especificamente se a circuncisão está a associada a uma redução da sensibilidade peniana através de testes de detecção táctil, dor, detecção de calor e limiares de dor em vários locais do pénis num grupo com homens saudáveis”, refere a principal autora do estudo Jennifer Bossio, do Departamento de Psicologia da Queen´s University (no Ontário, Canadá), em comunicado de imprensa. “Este estudo indica que a circuncisão neonatal não está associada a alterações na sensibilidade peniana e fornece provas preliminares que sugerem ainda que, ao contrário do que se pensava, o prepúcio não é a parte mais sensível do pénis”, sublinha.

No estudo não terão sido encontradas diferenças entre os dois grupos de homens em relação à sensibilidade através de quatro tipos de estimulação referidos, o que, adianta o comunicado de imprensa, contraria o que alguns defendem sobre os efeitos da circuncisão na chamada “queratinização da glande”, ou seja, deixando-a mais grossa e seca.

Os investigadores também afirmam que o prepúcio apresentou uma sensibilidade semelhante ao local de controlo (no antebraço) usado nos testes e para qualquer dos quatro tipos de estímulo testados. Tendo em conta que outros locais genitais (por exemplo, a glande) foram mais sensíveis aos estímulos de dor do que o antebraço, os investigadores concluem que a remoção do prepúcio não parece afectar a parte mais sensível do pénis.

A função sexual também foi analisada por meio de um índice usado noutras investigações e que abrange  a avaliação ao longo de quatro semanas de cinco domínios da função eréctil: satisfação sexual, função orgásmica, desejo sexual e satisfação geral. “Não foram observadas diferenças entre os grupos em qualquer destes indicadores”, refere o comunicado.

Esperar para ver

Em Portugal, os casos de circuncisão à nascença (excluindo motivos religiosos ou culturais) serão praticamente inexistentes. Apesar de não existir nenhuma norma oficial, há um consenso entre os cirurgiões pediátricos sobre as boas práticas que são partilhadas com pediatras e médicos de família. E as boas práticas dizem que a circuncisão só é recomendada em casos de fimose e que, mesmo nestas situações, o melhor é esperar pelo menos até que o rapaz tenha cerca de seis anos de idade.

Cláudia Piedade, cirurgiã pediátrica no Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, sublinha que “90% dos casos de fimose fisiológica ficam resolvidos por volta dos 6 anos”. Ainda que o problema seja muito comum (cerca de 95% dos meninos nascem com fimose), trata-se de uma situação que se resolve de forma espontânea com a idade.

Por vezes, pode ser necessário recorrer a um tratamento com corticóides (aplicação de uma pomada). Assim, só quando o problema persiste até cerca dos cinco ou seis anos é que se pode justificar uma referenciação para a cirurgia pediátrica. E, mesmo assim, Cláudia Piedade nota que muitos dos casos que chegam aos cirurgiões não acabam numa circuncisão. “A taxa efectiva de cirurgia é muito baixa. Muitos dos casos que chegam aos especialistas não são sequer de fimose, mas apenas de aderências. Numa média de 90 consultas por semana, metade será por causa de fimoses e, destes 45, apenas um ficará em lista para cirurgia”, explica.

Porém, apesar desta prática mais comum em Portugal, em 2012 a Academia Americana de Pediatria divulgou uma orientação em que defende a prática da circuncisão nos recém-nascidos, argumentando que “os benefícios ultrapassam largamente os riscos”. “A avaliação dos dados indica que os benefícios para a saúde da circuncisão masculina à nascença ultrapassam os riscos, e que as vantagens deste procedimento justificam a sua escolha pelas famílias. Entre os benefícios identificados incluem-se a prevenção de infecções do tracto urinário, doenças sexualmente transmissíveis e cancro no pénis”, argumentaram os especialistas norte-americanos. Nos EUA, mais de 70% dos homens adultos são circuncidados.

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