Exmos. senhores, Escrevo-lhes na tripla qualidade de cidadão preocupado com o ambiente do planeta, asmático crónico desde que me conheço e proprietário de um veículo produzido por V. Exas. Devo começar por dizer que resisti muito a ter viatura própria. Sempre me organizei utilizando transportes públicos ou bicicleta. Mas, com a família a crescer e compromissos de gestão de negócios familiares fora da minha cidade, dificilmente teria outra escolha.

A minha opção pela marca de V. Exas. foi feita após cuidado estudo das opções disponíveis no mercado do meu país, tendo em conta as minhas principais preocupações. Pertencendo a uma família de asmáticos, desde cedo me apercebi de que a poluição atmosférica das grandes cidades afectava sobremaneira a minha qualidade de vida, e por conseguinte a de todos os que lá vivem. Pelo mesmo motivo, já os meus pais se tinham mudado para uma cidade mais pequena, varrida frequentemente pelo vento fresco que desce da serra. Em linha com estes factos, dei especial atenção aos níveis de emissão de óxidos de azoto (NOx) que V. Exas publicitavam, “para fazer face aos mercados mais exigentes neste domínio”, por meio da “vanguarda tecnológica” que a marca “sempre nos habituou”.

Fiquei agora a saber que, enquanto utilizador de um veículo produzido por V. Exas., contribuí para a emissão uma quantidade de NOx até 40 vezes superior àquela teria feito segundo os vossos valores de referência. Sinto-me portanto defraudado nas minhas expectativas, e as razões da minha opção pela marca de V. Exas. caíram totalmente por terra.

Por conseguinte, venho por este meio solicitar a V. Exas. que me indiquem a forma mais expedita de efectuar a devolução do veículo, solicitando o ressarcimento do seu valor, acrescido de uma acção concreta da mitigação do excesso de NOx que a utilização do referido veículo produziu, atestada por entidade independente. Mais informo que abdicarei de uma indemnização por danos morais, caso V. Exas. consigam provar que, num curto espaço de tempo, investirão em tecnologia inovadora que possibilite uma real redução de emissões tóxicas nos vossos veículos, e não em engenharia informática que engane as normas legais e os clientes. Caso contrário, solicitarei tal indemnização, a qual será entregue na totalidade a uma associação de protecção de pessoas com doenças respiratórias crónicas.

Por último, agradeço ainda a V. Exas. que não caiam na tentação de pressionar os políticos no sentido de aligeirar as normas de emissão de gases a bem da economia, ameaçando com despedimentos em massa. O desafio tecnológico que apregoam há décadas tem de ser efetivo e será a única forma de V. Exas. limparem a face.

Este vosso ex-cliente,

Gonçalo Calado

Biólogo (bagoncas@gmail.com)