Caçadores-recolectores em busca de comida: um passo em frente, virar, outro passo, virar, seguir para mais longe e lá tornar a virar…

Apesar de os seres humanos possuírem as mais sofisticadas capacidades cognitivas do reino animal, a geometria das suas caminhadas quando procuram alimentos na natureza é semelhante à de muitas outras espécies.

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Grupo de homens da etnia hadza durante uma caminhada à procura de comida Brian Wood

Em que direcção partiam os nossos antepassados caçadores-recolectores quando precisavam de encontrar as bagas, raízes, plantas e animais de que se alimentavam? E como fazem, aliás, ainda hoje, as populações que continuam a ter este modo de vida?

Uma equipa internacional de cientistas estudou o padrão das “caminhadas” de um grupo de caçadores-recolectores actuais à procura de alimentos. E conclui que a estratégia dominante que define os seus trajectos é a mesma que a de muitas outras espécies animais, das abelhas aos tubarões. Essa estratégia, agora demonstrada pela primeira vez no ser humano – e descrita na última edição da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) –, corresponde a um padrão aleatório bem conhecido dos matemáticos.

Para estudar este comportamento de mobilidade tão essencial à subsistência, David Raichlen, da Universidade do Arizona (Estados Unidos), e colegas deram relógios com GPS a 44 homens e mulheres da etnia hadza, residentes em dois locais diferentes no Norte da Tanzânia.
 
Arco, flecha e GPS
Os hadza são dos últimos caçadores de grandes animais da África e um dos últimos grupos de humanos no mundo que ainda caçam a pé com métodos tradicionais, explica aquela universidade em comunicado. “Os caçadores-recolectores com quem trabalhámos adoptaram um estilo tradicional de caça e de recolecção”, escrevem os cientistas no seu artigo. “Procuram plantas silvestres e animais, a pé e com ferramentas simples (arco e flecha, paus para cavar e machados), e não recorrem a qualquer tecnologia moderna nem à agricultura.”

Os homens caçam e procuram mel, enquanto as mulheres se dedicam antes à recolha de plantas e de tubérculos. Um dos co-autores do estudo, Frank Marlow, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), é um antropólogo que trabalha com os hadza desde 1995.

Voltando ao estudo: os voluntários hadza colocavam o GPS ao pulso de cada vez que faziam uma “saída” para procurar alimentos. Esta experiência, que permitiu seguir precisamente o rasto a cada elemento do grupo, foi repetida múltiplas vezes e ao longo das várias estações do ano, lê-se ainda na PNAS.

Os cientistas constataram então que, em quase metade das saídas, o percurso adoptado pelos participantes era aquilo a que os matemáticos chamam uma “caminhada de Lévy” (Lévy Walk). É um tipo de trajecto em que a pessoa anda ao acaso, deslocando-se numa série de pequenos movimentos no interior de uma dada área, para depois efectuar uma deslocação mais longa para uma outra área – e por aí fora. Esta estratégia é considerada a melhor, frisam os cientistas, quando se trata de descobrir recursos que não se encontram uniformemente distribuídos no meio ambiente – o que de facto acontece com os recursos alimentares disponíveis num meio natural.

Contudo, este padrão de caminhada não se limita aos estilos de vida mais naturais. Também surge em ambientes urbanos, por exemplo nas deambulações das pessoas que vão à feira popular. “Pensemos nas nossas vidas”, diz Raichlen no mesmo comunicado. “O que fazemos num dia normal? Vamos ao nosso emprego e voltamos, andamos pequenas distâncias em torno da nossa casa. Mas, de vez em quando, damos uns passos maiores – a pé, de bicicleta ou de avião, ou seja, temos tendência a dar passos curtos numa dada área e a seguir passos maiores para passar para outra área.” Uma autêntica “caminhada de Lévy”, em suma.

“Este tipo de deslocação parece estar presente em muitas espécies e em muitos habitats humanos”, diz, por seu lado, Adam Gordon, co-autor da Universidade de Albany (EUA). “Surge em todo o mundo e liga as espécies entre si na maneira como elas se deslocam no mundo natural. Ora, isso sugere que estamos perante um padrão fundamental que esteve provavelmente presente durante nossa história evolutiva.”

Tudo isto não significa, porém, que, quando procuram qualquer coisa, os humanos – e em particular os caçadores-recolectores – não decidam também conscientemente para onde vão, salienta Raichlen. “É óbvio que utilizamos a nossa memória e as características do mundo à nossa volta nas nossas procuras. Mas mesmo assim este padrão surge no processo.”

Uma coisa que estes autores querem agora perceber é, justamente, quais são as razões dessa preferência generalizada pela “caminhada de Lévy” e determinar se ela tem ou não a ver com a distribuição dos recursos procurados. “Estamos muito interessados em estudar por que os hadza usam este padrão de deslocação, em perceber o que motiva as suas estratégias de caça e por que é que usam este padrão em vez de outro”, diz Herman Pontzer, co-autor do Hunter College de Nova Iorque.
 
 

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