Bactéria construída em laboratório tem o menor genoma de sempre

Equipa de Craig Venter fez uma bactéria usando apenas 473 genes, que se divide a cada três horas. Ainda não se conhece a função para um terço destes genes, apesar de serem vitais na sobrevivência destas células.

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Imagens de células sintéticas, que foram baptizadas syn3.0 e obtidas por microscopia electrónica Tom Deerinck e Mark Ellisman/Centro Nacional para Investigação da Imagem e Microscopia/Universidade da Califórnia em San Diego/Reuters
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Imagens de células sintéticas, que foram baptizadas syn3.0 e obtidas por microscopia electrónica Tom Deerinck e Mark Ellisman/Centro Nacional para Investigação da Imagem e Microscopia/Universidade da Califórnia em San Diego/Reuters
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Imagens de células sintéticas, que foram baptizadas syn3.0 e obtidas por microscopia electrónica Tom Deerinck e Mark Ellisman/Centro Nacional para Investigação da Imagem e Microscopia/Universidade da Califórnia em San Diego/Reuters

O ano “zero” da biologia sintética foi 2010, quando a equipa do geneticista Craig Venter construiu a primeira célula, capaz de se multiplicar em laboratório. Nessa altura, os cientistas juntaram as unidades do ADN para montarem a sequência genética de uma bactéria (tendo como ponto de partida o genoma da bactéria Mycoplasma mycoides). Agora, Craig Venter aproximou-se do genoma mínimo essencial para uma bactéria viver e multiplicar-se. Para isso, os cientistas tiraram cerca de metade do ADN da bactéria feita em 2010. Os resultados foram publicados num artigo na última edição da revista Science e mostram que há muito por saber na genética dos organismos mais simples.

“A nossa tentativa de construir e criar uma nova espécie, ao mesmo tempo que foi bem-sucedida, mostrou que 32% dos genes essenciais para a vida desta célula têm uma função desconhecida, e muitos destes genes estão altamente conservados num grande número de espécies”, disse Craig Venter, num comunicado do Instituto J. Craig Venter, que fica em La Jolla, na Califórnia, Estados Unidos.

Desde meados do século XX que a genética se tornou-se uma chave importante para compreender a biologia. As células – que podem existir sozinhas, como nas bactérias, ou em conjunto, formando plantas e animais – tornaram-se modelos estudados a partir da genética. Uma célula tem a maquinaria específica para retirar do ambiente os nutrientes necessários para sobreviver, e contém as moléculas que permitem partir estes nutrientes para produzir energia ou construir proteínas novas e outras estruturas essenciais. Além disso, uma célula consegue dividir-se, perpetuando-se. No centro desta actividade estão o ADN e os genes.

O ADN é uma longa molécula constituída pela repetição de apenas quatro bases ou “letras” diferentes A, T, G, C. Mas é nesta sequência de letras que estão os moldes para todas as proteínas necessárias para um organismo, quer estejamos a falar das bactérias ou dos seres humanos. A cada um destes moldes dá-se o nome de gene.

A nossa espécie tem cerca de 20.000 genes, com eles é possível gerar um indivíduo a partir de uma única célula. Já a Mycoplasma genitalium – uma bactéria que habita as vias genitais humanas e tem o genoma mais pequeno da natureza conhecido – alimenta-se, respira e multiplica-se com apenas 525 genes, ligados numa sequência de ADN que forma um único cromossoma.

Craig Venter fez parte da equipa que sequenciou o genoma daquela bactéria em 1995. De então para cá, o cientista tem tentado perceber esta relação fundamental entre o genoma e a função celular. “A única forma para responder às questões mais básicas sobre a vida seria alcançar um genoma mínimo, e provavelmente a única forma para se conseguir é tentar sintetizar um genoma”, disse, numa conferência de imprensa organizada na semana passada pela Science.

O genoma que a sua equipa construiu em 2010 (com o nome de syn1.0) tinha cerca de um milhão de pares de base de ADN e 901 genes. O novo genoma (syn3.0) tem cerca de metade do número de pares de bases de ADN e resulta da junção de apenas 473 genes – menos 52 do que o do genoma da Mycoplasma genitalium. Ainda assim, as células crescem e dividem-se a cada três horas.

Para esta redução, os cientistas reorganizaram o genoma do syn1.0 agrupando os genes consoante as suas funções e foram-nos testando para encontrar aqueles que eram essenciais à célula. Muitos não o eram, mas outros funcionavam aos pares. Sem um dos genes do par, ainda célula funcionava, mas quando os cientistas retiravam os dois, deixava de funcionar.

No fim, 41% dos genes eram importantes para actividades genéticas da célula, 18% estavam relacionados com a estrutura e a função da membrana, 17% eram importantes para o metabolismo celular e 7% tinham funções de preservação da informação genética. Mas 149 genes não tinham uma função conhecida. Ou seja, não se sabe para que proteínas (ou outras moléculas) são moldes.

Este grau de desconhecimento tem consequências na bioética, defendem os autores. “Quando apenas compreendemos dois terços da célula mais simples que conseguimos obter, então provavelmente compreendemos apenas 1% do genoma humano”, defende Clyde Hutchison, outro autor do estudo, do Instituto J. Craig Venter, na conferência de imprensa. “Por isso tenho defendido que é imensamente prematuro falar sobre ‘editar’ o genoma humano.”

Outra conclusão importante da equipa é que a biologia sintética também depende do contexto. Ou seja, um genoma mínimo depende do tipo de ambiente e de funções que um organismo cumpre. Um microorganismo que se alimenta de metano “com um metabolismo completamente diferente, vai requerer um [genoma] mínimo diferente”, diz Craig Venter.

Na quinta-feira, a biologia sintética estará no centro do debate do ciclo Conversas Ciência Conhecimento, às 19h30, no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, onde se abordará a potencialidade da técnica no desenvolvimento de microrganismos para produzir fármacos e biocombustíveis. Neste contexto, os avanços de Craig Venter são incontornáveis.

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