Atol de Bikini: 23 bombas atómicas e 70 anos depois, a vida marinha floresce

“É um ambiente extraordinário, muito estranho”, descreve cientista. Na cratera aberta pelos testes atómicos há um grande coral, centenas de cardumes e crustáceos.

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Em 2008 confirmou-se pela primeira vez a existência de coral vivo no atol Reuters

Vários estudos têm concluído que não é seguro repovoar Bikini, uma das Ilhas Marshall evacuadas antes do início dos testes nucleares realizados pelos Estados Unidos no Pacífico entre 1946 e 1958. Para além dos níveis de radiação, um dos riscos é a provável contaminação dos alimentos (apesar das operações de remoção do solo contaminado) e da vida marinha. Já tinha sido descoberto coral vivo, mas uma equipa de cientistas deparou-se agora com “uma abundante vida marinha que aparenta desenvolver-se na cratera do atol de Bikini”.

“A lagoa está cheia de cardumes, todos a nadar em volta de coral vivo. De uma forma estranha, parecem ter sido protegidos pela história deste lugar. Aqui, as populações de peixes estão melhores do que noutros lados porque foram deixadas sozinhas, os tubarões são mais abundantes e o coral é grande”, diz Steve Palumbi, professor de Ciências Marinhas na Universidade de Stanford. “É um ambiente extraordinário, muito estranho”, afirma, ouvido pelo jornal The Guardian.

Pelo contrário, os animais estudados à volta de Chernobil mostraram mutações e deformações. Entre as 23 bombas testadas no atol de Bikini conta-se a Castle Bravo, a maior bomba termonuclear detonada pelos EUA, 1100 vezes mais potente do que bomba de Hiroshima.

A verdade é que os efeitos da radiação no envenenamento da vida no oceano nunca foram estudados em profundidade. E foi assim que estes cientistas se depararam com “um ecossistema diversificado de vida animal na cratera da bomba e em redor desta, incluindo corais do tamanho de ‘carros’, centenas de cardumes de atum, tubarões ou pargo rosado, e caranguejos-dos-coqueiros [também chamados caranguejos azuis] que devoram cocos radioactivos na costa”.

A olho nu, diz Palumbi, os caranguejos, o peixe e o coral do atol parecem perfeitamente normais e saudáveis. A observação do coral sugere que algum está por ali há décadas, tendo começado a nascer talvez apenas dez anos depois de as últimas bombas serem largadas.

Os investigadores escolheram concentrar-se no caranguejo e no coral por estes terem maior longevidade e assim permitirem perceber os efeitos da exposição à radiação no ADN dos animais, no seu sistema há tanto tempo. Quando aos peixes, como vivem menos, é provável que os mais afectados tenham morrido há décadas, diz o cientista que ensina em Stanford.

Destruição e esperança

Dos 167 habitantes retirados da ilha (mais de metade já morreu), nenhum pôde alguma vez regressar. Aconteceu-lhes o mesmo que a outros residentes de ilhas afectadas, que foram sendo deslocados de ilha em ilha sem saberem se e quando poderiam voltar a casa. As bombas experimentais (67, ao todo) foram detonadas pelos EUA nos atóis de Bikini e de Enewetak, no Norte das Marshall. Num estudo apresentado há um ano, cientistas americanos constataram que os níveis de radiação mais elevados se encontravam em Bikini.

Hoje, trabalham ali algumas pessoas, que cuidam das instalações da ilha, e que chegam todos os dias com o que vão comer e beber.

Um relatório das Nações Unidas, terminado em 2012, fala numa “contaminação ambiental quase irreversível” e diz que a água não pode ser bebida nem o peixe pode ser comido, assim como nada poderia ser plantado porque o solo continuava contaminado.

A investigação da equipa de Stanford está ainda numa fase inicial, mas já sugere que a vida neste pedaço de oceano é “extraordinariamente resiliente”, diz Palumbi. “Isto foi a coisa mais destrutiva que alguma vez fizemos ao oceano, deitar-lhe 23 bombas atómicas em cima, mas apesar disso o oceano está realmente a esforça-se por regressar à vida”, resume o cientista. “O facto de haver vida naquele lugar e de a vida tentar recuperar do acto mais violento que já lhe fizemos dá-nos muita esperança”.

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