A importância de certos neurónios para queimarmos gordura (e não engordarmos)

Equipa portuguesa descobriu um mecanismo neuronal associado à obesidade.

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Feixe de nervos extraídos de tecido adiposo de ratos: a laranja, o neurónios responsáveis pela manutenção do peso normal Roksana Pirzgalska/IGC

Em experiências com ratos, uma equipa coordenada por uma investigadora portuguesa descobriu que a eliminação dos neurónios periféricos – fora do cérebro – acelera o aumento de peso, o que abre caminho para o tratamento da obesidade.

Liderada por Ana Domingos, do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, a equipa já tinha descoberto em 2015 que os neurónios periféricos, quando activados, queimavam gordura. Agora, num estudo publicado esta segunda-feira revista Nature Communications, a equipa concluiu que essas células, quando desactivadas, através de uma técnica de manipulação genética, provocam o aumento rápido de peso.

Ana Domingos explica à agência Lusa que os neurónios que estão fora do cérebro, no tecido nervoso, libertam uma substância que “comunica” com os adipócitos, as células do tecido adiposo responsáveis pelo armazenamento de gordura no corpo. Em resultado desse “contacto”, as células adiposas ficam mais pequenas e a gordura é queimada.

“Se retirarmos os neurónios, os adipócitos não têm como queimar gordura, e esta vai-se acumulando”, assinala a cientista, acrescentando que, mesmo que os ratos “façam dieta, não conseguem perder peso”. O mesmo sucede com as pessoas obesas.

A descoberta deste mecanismo biológico associado à obesidade permite partir agora para a sua utilização em sentido inverso, no combate à obesidade. “Ficámos com uma ideia biológica de como atacar a doença [a obesidade] farmacologicamente em humanos”, aponta Ana Domingos.

O grupo já está a trabalhar no desenvolvimento de um medicamento para a obesidade que usa estes neurónios como alvo, sem atingir o cérebro, e está à procura investidores. A equipa inclui ainda investigadores das universidade de Santiago de Compostela (Espanha), Rockefeller e Yale (Estados Unidos) e Cambridge (Reino Unido).

Numa experiência com os ratos geneticamente modificados, os investigadores criaram uma nova técnica genética que permite “matar” neurónios específicos do sistema nervoso periférico sem afectar o cérebro. Na prática, a equipa de Ana Domingos – com o apoio do químico Gonçalo Bernardes, do Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa, e da Universidade de Cambridge – alterou uma técnica muito utilizada em engenharia genética para eliminar células, que se baseia no uso da toxina diftérica, libertada pela bactéria que causa a difteria.

A toxina “só mata as células que contêm o seu receptor”, precisa o IGC em comunicado de imprensa. Os receptores são proteínas que estão nas membranas das células e permitem a interacção de determinadas substâncias com os mecanismos de metabolismo celular.

Os ratos, ao contrário dos humanos, não têm o receptor da toxina diftérica. Então, o que os investigadores fizeram foi introduzir geneticamente “o receptor da toxina nos neurónios que inervam o tecido adiposo nos ratos, tornando esses neurónios susceptíveis à acção letal da toxina”, adianta o comunicado.

Mas, uma vez que a toxina poderia afectar neurónios semelhantes que existem no cérebro, a equipa modificou quimicamente a toxina diftérica, aumentando o tamanho da molécula para impedir a sua entrada no cérebro. Deste modo, a toxina apenas “mata” os neurónios que estão fora do cérebro. “Moléculas grandes tendem a não entrar no cérebro, por isso tornámos a toxina maior”, explica Ana Domingos.

“Conseguimos eliminar os neurónios do tecido adiposo dos ratos, sem afectar o cérebro. Ao comparar estes ratos com ratos normais, observámos um comportamento alimentar semelhante. No entanto, os ratos que não tinham os neurónios periféricos tornaram-se muito gordos muito rapidamente”, adianta Inês Mahú, estudante de doutoramento no laboratório de Ana Domingos e que também é autora do estudo, citada no comunicado. “Nunca vimos os animais a engordar tão rapidamente”, acrescenta por sua vez a primeira autora do artigo científico, Mafalda Pereira, na altura do trabalho aluna de mestrado do IGC.

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