A força do optimismo

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Desde o século XV que se joga bilhar, mas só há 100 anos é que os cientistas começaram a prestar-lhe atenção. Chamam-lhe “bilhar racional” e o desafio era compreender o movimento das bolas quando percorrem um triângulo.

Os avisos aos fãs do jogo são sempre iguais: o “bilhar racional” não ajuda ninguém a ganhar. Na “matemática do bilhar” não há buracos e as linhas rectangulares da mesa são substituídas por polígonos euclidianos. Bem vindos ao complexo mundo onde todos os ângulos são múltiplos racionais de pi e outras coisas ainda mais abstractas.

Quando começaram, os primeiros físicos que passaram horas a olhar para bolas coloridas a circular numa mesa de bilhar terão pensado que, numa semana, encontravam a resposta. “Mas 100 anos depois ainda estavam a pensar nisso!”, disse Alex Wright, um investigador de Standford, ao jornal da Simons Foundation de Nova Iorque.

Maryam Mirzakhani, uma matemática iraniana de 37 anos, encontrou a resposta. Com esse “trabalho titânico” ganhou esta semana a prestigiada medalha Fields, equivalente a um Nobel da Matemática. Em 80 anos, foi a primeira mulher.

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A matemática Maryam Mirzakhani na conferência de imprensa depois da atribuição do prémio em Seul, a 13 de Agosto REUTERS/Song Eun-seok/News1

Há quem defenda que, na matemática, a criatividade pura e verdadeiramente inventiva acontece até aos 30 anos. Albert Einstein tinha 26 e era um funcionário administrativo quando escreveu o seu paper Teoria Especial da Relatividade, que revolucionou a ciência. Isto poderá explicar a ausência de mulheres na longa lista de medalhas Fields. Até aos 40 — o tecto limite do prémio — as mulheres estão grávidas ou têm filhos muito pequenos. A matemática vem depois. Outra explicação para a predominância de homens vencedores de Fields tem a ver com o cérebro das mulheres, mais concreto e menos abstracto.

Maryam Mirzakhani desfaz os dois pressupostos. Tem 37 anos, tem uma filha de três e há mais de dez que procurava esta resposta. O seu segredo é mais complexo. Mirzakhani é uma mistura com três ingredientes: a sua massa (é brilhante), o sistema de educação do seu país (no Irão foi admitida num liceu gerido pela Organização Nacional para Desenvolver Talentos Excepcionais) e o seu optimismo. Mirzakhani, que se auto-descreve como uma “matemática lenta”, não larga. Todos à sua volta ficam fascinados com a sua persistência e tenacidade. O marido, um teórico da computação da IBM, contou que aprendeu tudo sobre a sua futura mulher quando há uns anos foram correr juntos. Começaram ao mesmo ritmo, mas ele acabou por se maçar e acelerou. Ao fim de algum tempo estava cansado e teve de parar. Foi então que Mirzakhani passou por ele. Ela manteve sempre o mesmo ritmo, não desistiu e chegou calmamente ao fim. A filha do casal ainda não sabe o que é matemática e pensa que a mãe é pintora. Desde que nasceu que a vê em casa a desenhar bolas e polígonos, superfícies hiperbólicas e sistemas dinâmicos no chão. Dos três ingredientes, Maryam Mirzakhani escolhe o último para explicar como aqui chegou: “Tem a ver com optimismo e tentar ligar as coisas.”     

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