Bacilo da tuberculose descoberto há 120 anos permanece enigmático

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A simples inalação de um bacilo de tuberculose pode ser suficiente para infectar uma pessoa DR

Um "colosso da bacteriologia" foi como Robert Koch descreveu o bacilo responsável pela tuberculose há 120 anos, uma doença com mecanismos tão complexos que continua a intrigar os cientistas e está longe de ser erradicada.

Os investigadores continuam sem perceber o que comanda a resposta do sistema imunitário humano ao bacilo mycobacterium tuberculosis, o que compromete as perspectivas de uma vacina realmente eficaz a curto prazo, à semelhança do que acontece com a vacina para a sida, explicou Laura Brum, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.

Se dissermos que a simples inalação de um bacilo de tuberculose pode ser suficiente para infectar uma pessoa, que um terço da população mundial está infectada e que a cada segundo esse número aumenta, a situação parece epidémica, no entanto, a maioria dos infectados nunca chega a adoecer. O bacilo pode permanecer "adormecido" a vida inteira.

O Dia Mundial da Tuberculose, que se celebra a 24 de Março, assinala a descoberta do bacilo da tuberculose por Koch em 1882, mas relembra igualmente que este "é um microorganismo muito complexo, existindo muitos aspectos por investigar na própria patogénese da doença, como ela se instala e como se desenvolve", explicou, em declarações à Lusa, Laura Brum uma das poucas cientistas portuguesas que realiza investigação nesta área.

"Além disso, a vacina utilizada actualmente, a BCG, é má e pouco actuante", afirmou, acrescentando que cientistas de todo o mundo tentam desde há anos desenvolver uma vacina mais eficaz contra o bacilo.

No entanto, enquanto forem desconhecidos os mecanismos da resposta imunitária do organismo à bactéria vai permanecer um território de investigação por explorar, até porque a BCG é a mesma desde os anos 60 e algumas pessoas não desenvolvem imunidade em resposta à vacina. "Mesmo assim, continuam por definir as características que vão tornar esta vacina mais protectora", disse, aludindo à complexidade da bactéria.

Sida e tuberculose: ligação perigosa

À medida que os trabalhos em torno da bactéria se vão multiplicando e as ferramentas científicas melhorando, surgem novas teorias para explicar a diferença de respostas do organismo face ao bacilo da tuberculose. "Não se sabe muito bem, podem ser características genéticas e imunológicas do próprio indivíduo que fazem com que um seja resistente à doença e outro não", disse, indicando que o bacilo tem a capacidade de estar latente no organismo durante vários anos, o que pode fazer com que pessoas infectadas o estejam sem saber e contaminem outras.

Outro entrave ao trabalho dos cientistas é o facto da tuberculose surgir agora sob formas diferentes da clássica, até porque os bacilos de Koch dividem-se todas as 24 horas, o que faz com que as populações bacilares sejam agora mais numerosas.

No entanto, considera Laura Brum, a maior mutação ocorrida nos últimos anos no bacilo de Koch foi desencadeada pelo surgimento da sida no final da década de 80. "O aparecimento da sida fez com que os infectados tivessem cargas muito elevadas de bacilos, o que fez com que estes se tornassem resistentes aos antibióticos mais activos no tratamento da doença, a isoniazida e a rifampicina", explicou.

"Esta foi a grande transformação que ocorreu recentemente na tuberculose, o aparecimento destas estirpes resistentes que se transmitem aos imunocompetentes da mesma forma que a tuberculose normal (por via aérea, através da inalação de gotículas infectadas)", continuou.

A aliança ao vírus da sida fez com que o número de casos notificados de tuberculose voltasse a disparar, quando em muitos países a doença estava quase erradicada, além de que a nova forma de tuberculose é muito mais agressiva e exige maior tempo de tratamento.

Desde 1944 que existem medicamentos destinados ao tratamento da tuberculose, mas a terapêutica da doença depende da fase em que é diagnosticada.

A tuberculose tem um período de incubação muito longo e a sua sintomatologia é pouco evidente, o que pode levar as pessoas a adiar a visita ao médico, e, consequentemente, o diagnóstico e tratamento, considerou Laura Brum.

Apesar da BCG fazer parte do Plano Nacional de Vacinação, e das acções desenvolvidas no país no combate à doença, Portugal continua a ser o país da União Europeia com maior taxa de casos notificados, cerca de 41 por cem mil habitantes, segundo dados da Comissão Nacional da Luta contra a Tuberculose referentes a 2000.

Os valores revelam uma tendência decrescente da incidência de casos notificados, mas "muito continua por fazer e estudar", assinalou Laura Brum.

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