40 anos da Constituição

O que mudou em 194 anos de Constituições

Fernando Rosas, historiador, resumiu para o PÚBLICO o que mudou em Portugal desde que foi aprovada a primeira Constituição do país, em 1822. É uma viagem às principais mudanças na sociedade e no sistema político, da monarquia liberal até à saída da troika, que mostra como a liberdade se pode ganhar e perder.

A Constituição de 1822

A efémera Constituição liberal

A primeira Constituição portuguesa, de 1822, após a revolução liberal de 1820, resulta também da primeira experiência parlamentar do País: As Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, eleitas por sufrágio directo, ainda que não universal (não podiam votar a generalidade dos menores de 25 anos, nem as mulheres, "vadios, os regulares e os criados de servir"). Vigorou entre 1822-23 e 1836-38.

A pintura de Veloso Salgado, que decora o interior da Sala das Sessões do Parlamento, mostra Passos Manuel, durante os trabalhos das Cortes de 1821, que aprovariam a primeira Constituição Portuguesa. Os trabalhos decorreram no Palácio das Necessidades
Exemplar das "Actas" das Cortes Constituintes de 1821, imagem da Assembleia da República
Primeira página manuscrita da Constituição Política da Monarquia Portuguesa, aprovada em 1821

A Carta Constitucional de 1826

A resposta Conservadora

A Carta Constitucional de 1826 substitui a Constituição aprovada pelas Cortes. É "outorgada" pelo Rei, D. Pedro IV, ou seja, não nasce de um processo parlamentar constituinte. Por ser bastante mais moderada que o texto que vem substituir - e ao garantir o poder "moderador" do Rei - a Carta reunirá um consenso duradouro nas elites políticas, vigorando durante 72 anos.

Exemplar impresso da Carta, de 1827, com gravuras representando a família real, com D. Pedro IV
Carta de D. Pedro IV para o seu pai, D. João VI, do Rio de Janeiro
D. Miguel, no exílio em Viena, jura a Carta Constitucional, em Outubro de 1826
Notícia da Gazeta de Lisboa, de 1826, que atesta o juramento de D. Miguel à Carta
Passos Manuel, de seu nome verdadeiro Manuel da Silva Passos, foi uma das figuras mais importantes do liberalismo neste período. Parlamentar, ministro e senador, é a figura mais importante dos "setembristas"
Fontes Pereira de Melo foi um dos mais importantes políticos da segunda metade do século XIX

A Constituição de 1838

O compromisso entre liberais radicais e conservadores

Depois de Évoramonte, e da derrota do absolutismo, regressou a Constituição de 1822. Por pouco tempo... Um novo processo Constuinte daria origem a um compromisso entre os valores "vindictas" e "cartistas". Esta Constituição de 1838 duraria apenas quatro anos. Em 1842 a Carta veio para ficar, até ao fim conturbado da monarquia e do sistema "rotativista".

Primeira página manuscrita da Constituição de 1838
Caricatura de Bordalo Pinheiro em que o "Zé Povinho" ilustra o descontentamento popular com a situação económica e política dos últimos períodos do século XIX
Ilustração satírica sobre os "trabalhos parlamentares". O "rotativismo" do final da monarquia e da Carta Constitucional foi uma das épocas áureas da sátira política portuguesa
A emergência do republicanismo é uma das reacções políticas ao conservadorismo da Carta. O Partido Republicano foi criado em 1876
João Franco, ex-presidente do conselho de ministros, e figura cimeira do final da monarquia. É dele uma das primeiras "leis-travão" orçamentais. Governou "à turca", em ditadura, abrindo caminho para a República
Representação do regicídio, de 1 de Fevereiro de 1908, que resultou na morte de D. Carlos e do príncipe real, D. Luís

A Constituição de 1911

As mudanças da República

Em apenas 87 artigos - o que faz desta a mais pequena das seis Constituições portuguesas - a Constituição de 1911 muda o regime (acaba a Monarquia), institui a laicizado do Estado, mas não universaliza o sufrágio nem os direitos políticos e sociais

Capa da Constituição Republicana de 1911
Reunião dos deputados constituintes, em 1911, já na Sala das Sessões do Palácio de São Bento, actual Assembleia da República
Outro aspecto da reunião dos deputados constituintes
Manuel de Arriaga, em primeiro plano nesta fotografia, foi o primeiro Presidente da República portuguesa, após a aprovação da Constituição de 1911

A Constituição de 1933

O corporativismo na época dos fascismos

Encomendada por Salazar e plebiscitada em Março de 1933, a Constituição que institui a ditadura do Estado Novo vigoraria até 1974, restringindo fortemente os direitos políticos e a liberdade de expressão, e centrando a organização política na figura do Presidente do Conselho.

Salazar e Carmona, Presidente do Conselho e Presidente da República, respectivamente, chegam juntos à então chamada Assembleia Nacional
Cartaz de apelo ao voto no plebiscito à Constituição de 1933
Sessão solene na Assembleia Nacional do estado Novo. O Parlamento tinha duas câmaras
Notícia que explica o funcionamento do plebiscito à Constituição de 1933: os abstencionistas contavam como votos a favor, tacitamente
Primeira página do Diário de Lisboa no dia do plebiscito mostra Salazar e Carmona a votar a Constituição

A Revolução de 1974 e a Constituição de 1976

A primeira Constituição que consagra o voto universal

Só em 1976, pela primeira vez, foi instituído o voto universal a todos os cidadãos. A Constituição que agora faz 40 anos trouxe muitas novidades.

Aprovação pela Assembleia Constituinte do texto fundamental, em Abril de 1976
Capa da Constituição da República Portuguesa que entrou em vigor há 40 anos
Depois de um golpe militar e de vários anos de "pactos" de poder entre as Forças Armadas e os partidos políticos houve uma "normalização" do quadro institucional com a revisão de 1982, que retirou os últimos vestígios de poder militar sobre o sistema político

Alterações à Constituição de 1976

As mudanças da “normalização” pós 25 de Novembro

A “carga revolucionária”, sobretudo no campo dos direitos sociais e da organização económica do Estado, passa a ser um dos temas mais quentes do debate político nos anos 80. As duas revisões de 1982 e 1989 vão alterar muito a componente ideológica e o equilíbrio de poderes entre o Parlamento e o Presidente da República.

A Revisão Constitucional de 1982 resultou numa delimitação do uso das competências do Presidente, que na época era António Ramalho Eanes
Num artigo publicado em Março de 1982 no semanário Expresso, Almeida Santos, do Partido Socialista, reflectia sobre as alterações à Constituição
O projecto pessoal de Sá Carneiro de revisão Constitucional, publicado em livro ainda em 1979, foi uma influência para as duas primeiras revisões constitucionais
Francisco Pinto Balsemão era o Primeiro-ministro em 1982, ano da aprovação da primeira revisão Constitucional
Álvaro Cunhal e Carlos Brito: o PCP manteve uma posição crítica sobre as revisões à Constituição
Em 1989, quando a segunda revisão Constitucional foi aprovada Mário Soares era Presidente da República e Cavaco Silva Primeiro-Ministro