"Doping" relacionado com mortes suspeitas em Itália

Investigação judicial sobre futebolistas que alinharam nas duas principais divisões do “calcio” entre os anos 60 e 1996 revela que, dos 400 jogadores profissionais falecidos neste período, 70 morreram prematuramente e em circunstâncias suspeitas. Em Portugal, Luís Horta quer realizar estudo exaustivo sobre mortes suspeitas no desporto, em colaboração com o Ministério da Justiça.

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Gianluca Signorini, ex-capitão do Génova e do Parma, morreu de ELA Fabio Muzzi/AP

Os italianos conhecem as consequências a longo prazo do “doping”: cancro do fígado, do cólon, leucemia, doença de Gehrig e ataques cardíacos, entre outras. Raffaele Guariniello, procurador de Torino, conduziu um estudo sobre 24 mil antigos futebolistas, em conjunto com o Instituto Superior de Saúde de Roma, e abriu já perto de 70 inquéritos por homicídio involuntário. Guariniello pesquisou dados em centros de saúde locais, companhias de seguros ligadas a clubes e nos registos da Segurança Social sobre futebolistas que alinharam nas duas principais divisões do “calcio” entre os anos 60 e 1996. Descobriu que, dos 400 jogadores profissionais falecidos neste período, 70 morreram prematuramente e em circunstâncias suspeitas.

A percentagem de casos de cancro neste grupo profissional atinge o dobro da generalidade da população italiana e pode haver relação entre tumores malignos no fígado com o consumo de esteróides anabolisantes, assim como entre a leucemia e o abuso de hormona de crescimento. “O consumo de substâncias dopantes é uma das hipóteses avançadas para explicar a morte de desportistas por cancro”, considerou o magistrado, em declarações ao jornal francês “Libération”.

Os responsáveis pela pesquisa ficaram igualmente intrigados com a taxa de incidência da doença de Lou Gehrig, ou Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), enfermidade caracterizada pela degeneração dos nervos motores por todo o organismo. “Para a doença de Gehrig, a questão é mais científica do que judicial. Por que razão os futebolistas, grande parte jovens, numa média de 39 anos, são especialmente atingidos por este problema? Será porque durantes anos foram obrigados a jogarem com a ajuda de anti-inflamatórios no lugar de pararem e recuperarem convenientemente das lesões? É preciso esclarecer esta questão porque a ELA parece ser uma doença profissional dos futebolistas”, argumentou Guariniello, reconhecendo que a batalha judicial se prevê muito difícil.

Dados “preocupantes”

“Tudo o que eu possa estabelecer, sem a análise do estudo, serão apenas suspeitas. Mas não excluo a possibilidade de causa-efeito com substâncias dopantes ou mesmo com anti-inflamatórios. Os atletas usam e abusam de anti-inflamatórios, tornam a sua recuperação muitas vezes forçada e continua sem haver um estudo, onde se compare atletas com população em geral, sobre os efeitos dos anti-inflamatórios”, explicou ao PÚBLICO Luís Horta, director dos Serviços de Medicina Desportiva portugueses.

Este responsável revelou que “as últimas mortes súbitas no desporto português foram causadas por patologias cardíacas”, mas considerou prioritário realizar um trabalho mais exaustivo: “O que temos de fazer é registar as mortes súbitas no desporto português e iniciar um estudo aprofundado sobre as causas, em articulação com os organismos do Ministério da Justiça.

A falta de dados repete-se quanto ao desporto não profissional, apesar de um estudo orientado pelo Ministério do Interior da Baixa Saxónia (Alemanha) ter revelado que 19,5 por cento dos frequentadores de ginásios em Portugal consome dopantes, a mais alta taxa entre os seis países investigados.

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