Bascos vão hoje a votos com o nacionalismo a enfrentar o grande desafio

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As sondagens indicam que 53,3 por cento dos inquiridos querem um governo misto, de nacionalistas e não nacionalistas Luis Tejido/EPA

Há mais incógnitas do que certezas, embora os nacionalistas que governam Euskadi não tenham aliados democráticos para continuar. A alternância, uma aliança entre "populares" e socialistas, depende dos resultados destes últimos nas eleições de hoje. Se forem maus, podem lançar os socialistas numa crise profunda.

Após 15 dias de campanha eleitoral, com dois atentados etarras fora do Euskadi, depois de meses de intransigente luta política e mais de dois anos de crispação, as eleições de hoje no País Basco dependem de uma figura atípica em democracia: o voto oculto. O que traduz medo e a evidência do défice democrático. Embora não esteja impresso nos boletins de voto, o símbolo da ETA, os seus crimes e ameaças pairam sobre o Euskadi. "As sondagens revelam grande incerteza sobre o resultado, dá a impressão que a anterior correlação de forças está mudando mas ainda não mudou", sintetiza, ao PÚBLICO, Francisco Llera, catedrático de Ciência Política da Universidade do País Basco e director do Euskobarómetro. As opiniões de Llera acarretam incómodos: como o de ter escoltas para não ser morto. A vida deste professor universitário é um espelho fiel da realidade basca: liberdade restrita que aflige metade da cidadania. Em todos os inquéritos de opinião, os que não respondem ou recusam o contacto quase chegam aos 50 por cento dos interrogados: dois em cada três bascos admitem que em Euskadi há medo de dizer o que se pensa.
Por isso, avançar resultados é pura aventura. O voto por correio foi adoptado por 82 mil cidadãos, mais do dobro das eleições de 1998, num corpo eleitoral de 1,8 milhões, embora a sua repartição não seja clara: é mais símbolo de mobilização que de preferência.
Mas há linhas de força. "O grande vencedor das anteriores eleições [Herri Batasuna - HB - considerado o braço político da ETA] vai ser o grande perdedor, porque acabou a trégua", revela o responsável do Euskobarómetro. Outro passo pode ser avançado: "O partido que vai vencer, o Partido Nacionalista Basco (PNV), tem um lastro à partida, uma estratégia defensiva, e não vai obter maioria absoluta nem terá um aliado democrático". Por fim, o derradeiro elemento do "puzzle": "O Partido Popular (PP) e os socialistas somarão mais deputados que o PNV".
Assim condensada a informação, tudo indicaria que o PP e o Partido Socialista de Euskadi (PSE) poderiam formar governo, mesmo sem maioria no parlamento de Vitória, recorrendo a uma segunda investidura. "É possível um Executivo com essa constituição", admite Francisco Llera, introduzindo, contudo, uma condicionante: "Tudo depende do resultado dos socialistas, porque se fosse inferior aos anteriores 14 deputados seria aberta uma crise interna."

Voto útil de recusa

As estratégias do PSE, a actual e anterior, são postas em causa por muitos militantes: no presente, por seguidismo em relação ao PP; no passado, por ter pactuado com o PNV sem impedir o nacionalismo do "salto soberanista", de passar do pragmatismo autonómico à reivindicação da independência que consta do seu programa eleitoral em 2001. "Historicamente, os socialistas eram os que tinham condições para vencer, mas estão em baixa em Espanha e no País Basco, façam o que fizerem serão vítimas da bipolarização entre o PP e o PNV", admite Llera.
Os "populares", que repartem com o nacionalismo tradicional uma base sociológica marcada pelo apego ao catolicismo, "comeram terreno" ao PNV. "Houve um desgaste do nacionalismo no poder, provocado pela "kale borroka" [a violência urbana dos pró-etarras] e o assassínio, em 1997, do vereador conservador Miguel Angel Blanco, acontecimentos aos quais o PNV não deu resposta", sintetiza o catedrático. Também existia a convicção de que a ETA, após a "queda" de sucessivas direcções, estava debilitada: "O nacionalismo fez uma fuga para a frente, mas com o Pacto de Lizarra de 1998 ["uma solução basca, entre bascos para um problema basco"] deslegitima as instituições que ocupava". Pôs em causa o seu próprio poder.
Neste quadro, resume o director do Euskobarómetro, "estas eleições, mais que nunca, vão ser marcadas por um voto útil de recusa, para que não ganhe o outro". A transferência eleitoral mais cristalina parece ser a que congregará no PNV o voto nacionalista, de várias tendências e cores. O nacionalismo tradicional "trabalhou" esse eleitorado, com a retórica de equidistância como valor seguro.

Risco de fractura social

Contudo, as sondagens, com todas as limitações, revelam a preferência pelo equilíbrio: 53,3 por cento dos inquiridos querem um governo misto, de nacionalistas e não nacionalistas, como também, o requer o empresariado basco. O que tem duas leituras. A experiência de um executivo monocolor, do PNV, não convenceu, e existe boa memória da cohabitação do nacionalismo com o socialismo, que permitiu níveis de bem-estar acima da média espanhola: o crescimento do PIB foi superior aos quatro por cento. No entanto, para tal seria necessário uma verdadeira engenharia política que os atentados da ETA e o percurso do PNV não permitem. "Pode reconstruir-se uma unidade democrática [nacionalismo tradicional, PSE e PP] sem o PNV no governo basco, pois em Guipuzcoa e Biscaia os socialistas poderiam facilitar a governação das instituições forais", revela Francisco Llera. E estes órgãos forais são de capital importância para o nacionalismo manter a sua influência, embora sempre tivesse de cumprir a promessa de não voltar a contar com HB: um supremo desafio.
Desta forma, o eleitorado teria o prémio que, para o catedrático é fundamental: "Visualizar uma alternância, governar com outros objectivos." Caso contrário, vence o desespero em metade dos cidadãos e existe o risco de fractura social: "O grande milagre do País Basco é que não houve violência civil de resposta, porque os perdedores são e têm um comportamento democrático."

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