Do que espera para assinar um jornal?
Será que não há mais do que 100 mil pessoas em Portugal com disponibilidade para pagarem entre 50 e 80 euros pela assinatura anual de um jornal?
Há exatamente um mês, enquanto os eleitores elegiam Donald Trump, o The New York Times anunciava que tinha atingido os 11 milhões de subscritores. O The Guardian já ultrapassou o milhão de subscrições pagas há três anos. Mesmo o vizinho El País anunciou recentemente 374 mil subscritores online. O Le Monde ultrapassou o meio milhão em 2021. O Financial Times tinha, há um ano, 1,3 milhões de assinantes digitais. Em Portugal, em maio deste ano, o jornal com mais assinaturas digitais era o PÚBLICO, com 51.299 subscritores.
A comparação dos leitores em papel não é melhor. O The New York Times tinha, em 2023, cerca de 300 mil subscritores. O The Guardian vende cerca de 100 mil jornais por dia; o The New York Times quase o triplo. O jornal em papel mais vendido em Portugal, que é o Correio da Manhã, vendeu 36.550 jornais por dia no terceiro trimestre deste ano; portanto, pouco mais de um terço das vendas do The Guardian.
Estes números ilustram o principal desafio dos jornais em Portugal: o tamanho microscópico do mercado que servem. Vejamos: somos só dez milhões e o nosso rendimento médio é mais baixo do que o americano, o britânico, o francês ou o espanhol, que aqui trouxe como exemplo. A nossa população adulta também tem níveis de educação mais baixos.
Acresce que os grandes gigantes do digital vendem uma parte das suas assinaturas fora do país. O The New York Times tem 2 milhões de assinantes fora dos Estados Unidos, ao passo que o britânico Financial Times conta com 20% dos seus assinantes nos Estados Unidos. O mercado potencial destes jornais em língua inglesa atinge, no limite, toda a população mundial com um nível de rendimento e de educação razoavelmente elevados. Embora as línguas espanhola e francesa sejam menos preponderantes, também atingem um mercado muito substancial.
A língua portuguesa também é muito falada no mundo, mas isso serve-nos de pouco. A generalidade dos países de língua portuguesa tem relações, digamos, complicadas com a liberdade de imprensa. As exceções democráticas são Cabo Verde, com os seus escassos 600 mil habitantes e 4000 euros de PIB per capita, e o Brasil, com títulos como a Folha de São Paulo, que tem mais de 800 mil assinantes digitais. A probabilidade de exportarmos notícias para este mercado é muito baixa.
As receitas de publicidade têm vindo a fugir para as plataformas digitais e o baixo número de leitores só piora o problema. O pior é que, nisto do jornalismo, a escala é mesmo essencial, porque a maior parte do custo de um jornal é fixo. Aumentar o número de leitores de cada notícia, reportagem, ou entrevista não aumenta os seus custos; só aumenta as receitas. Portanto, uma base mais sólida de receitas permite ter jornalistas mais especializados, o que melhora a qualidade dos jornais. Há, por isso, vários círculos viciosos ao serviço da degradação do jornalismo em Portugal.
Não admira que, há um ano, tenhamos acordado chocados para a situação da Global Media, dona do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF. Esta semana, as notícias sombrias vieram do lado da Trust in News (dona da Visão e do Jornal de Letras), que declarou insolvência. Dezenas de jornalistas pediram ontem, na rua, para os deixarem trabalhar, acrescentando uma palavra de ordem imperiosa: “Sem jornalismo não há democracia”. É que não há, mesmo.
O escrutínio jornalístico fornece-nos elementos para podermos usar o nosso voto contra os políticos que tenham comportamentos condenáveis eticamente, ou uma gestão descuidada ou incompetente da coisa pública, ou simplesmente não façam aquilo para que foram eleitos o que, por sua vez, aumenta os incentivos a esses mesmos responsáveis políticos para se comportarem à altura dos cargos.
Mais do que uma hipótese teórica, a importância do jornalismo para a qualidade do governo democrático foi documentada em vários estudos. Um dos primeiros foi publicado no Quarterly Journal of Economics, em 2002, e demonstra que nos estados indianos onde a circulação de jornais é maior, são implementadas políticas para mitigar os efeitos suportados pela população de más colheitas causadas, por exemplo, por inundações. Outro estudo publicado na mesma revista científica, em 2007, analisa a resposta a cerca de 5 mil desastres naturais em todo o mundo, entre 1968 e 2002, e mostra que a ajuda fornecida pelos Estados Unidos aos países afetados diminui quando as catástrofes são contemporâneas de eventos que desviam a atenção dos órgãos de comunicação social, como grandes competições desportivas.
Outro artigo, publicado em 2010 no Journal of Political Economy, mostra que nas localidades norte-americanas nas quais a imprensa dá menor cobertura à atividade política do membro da Câmara dos Representantes eleito por aquele círculo eleitoral, os eleitores conhecem menos bem o seu nome e o seu trabalho. Além disso, os eleitos desses locais trabalham menos em prol dos eleitores, de acordo com registos de atividade parlamentar, como votos contra as diretrizes do seu partido ou participações em comissões ligadas a assuntos de interesse local. Acresce que a despesa do governo federal nestas áreas geográficas é inferior, pelo que o menor comprometimento dos eleitos em prol da comunidade tem reflexos nos recursos de que esta dispõe.
Para dar um exemplo mais recente, um artigo publicado em 2020 no Journal of Financial Economics mostra como os encerramentos de jornais locais aumentam a taxa de juro da dívida das autarquias afetadas, concomitantemente com um aumento do défice e da despesa pública. Ou seja: os jornais locais promovem a disciplina dos eleitos locais e, em última análise, poupam dinheiro aos contribuintes.
Como se dá a volta a isto? O financiamento público é importante e comum em vários países; mas também perigoso. Se a dependência de euros públicos coartar a liberdade jornalística, matamos o que estamos a tentar salvar. Por isso, queremos mais vales a leitores e menos apoios diretos aos órgãos de comunicação social. É uma ótima notícia que o Governo tenha enfim avançado com um pacote de ajuda e que este inclua vales. Por outro lado, é provável que ele seja curto e o futuro julgará os efeitos perniciosos dos apoios diretos.
Mas não compete só ao Governo. Seguindo o apelo de Bárbara Reis nestas páginas, acompanhando quase ao minuto o protesto dos jornalistas da Trust in News, também está nas mãos de cada um de nós. O número total de assinantes do PÚBLICO, Expresso, DN, JN e Sábado cifrava-se, no último trimestre, nos 106 mil. Será que não há mais do que 100 mil pessoas em Portugal com disponibilidade para pagarem entre 50 e 80 euros pela assinatura anual de um jornal?
Cara leitora, caro leitor: quantas vezes recebeu um jornal inteiro, ou apenas uma parte, num grupo WhatsApp ou noutra rede? Quando quer mesmo ler apenas uma notícia, mesmo que não compense uma assinatura anual, quantas vezes andou à boleia da assinatura de um amigo para ler à socapa, ao invés de ir à banca mais próxima comprar o jornal em papel?
Qual é, para si, o valor anual da democracia? Vale 50, 70, 80 euros? Então, assine um jornal. Mesmo que só leia de vez em quando, assine na mesma. Se acha que nunca vai ler, ofereça de presente a quem leia. O jornalismo precisa de todos nós e nós precisamos dos jornalistas.
A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico