A educação em suspenso: falta de professores, greves e alunos sem aulas

A instabilidade crescente no sistema educativo já deixou milhares de alunos sem aulas. Esta realidade não só limita a aprendizagem dos alunos, como também acentua as desigualdades já existentes.

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A regular interrupção das aulas devido às greves, não apenas de professores, mas também de não docentes e da função pública, afeta diretamente o sucesso académico dos nossos alunos e, consequentemente, o futuro de todos nós. E impacta mais profundamente os alunos e famílias que já enfrentam maiores dificuldades simplesmente pelo contexto mais desfavorecido em que vivem.

Os motivos são válidos: docentes e não docentes são grupos que, ao longo dos últimos anos, têm sido alvo de uma progressiva desvalorização. Salários estagnados, falta de progressão na carreira, condições de trabalho cada vez mais exigentes, burocracia crescente, pouca renovação de professores o que leva a um profundo sentimento de desrespeito e muito desgaste profissional. Desgaste de todos os profissionais da escola. As greves surgem de um cansaço profundo, de classes que se sentem subestimadas e desvalorizadas.

Nos dias de greve, os pais que chegam à escola de manhã para deixar os filhos pelas 8h30 têm de esperar pelas 9h para saber se vai haver aulas e, consequentemente, se a escola pode ficar com o seu filho ou se o têm de trazer para casa por falta de pessoal.

A disrupção é total: para pais e para filhos. E é mais dura, muito mais dura, para os pais e mães de contextos desfavorecidos com trabalhos por turnos, menor flexibilidade de horários, menores ajudas familiares e financeiras que pudessem mitigar a agitação em que ficam. Provavelmente esses pais terão de faltar ao trabalho, e esse dia não trabalhado tem um forte impacto na sua gestão financeira familiar.

Do lado dos alunos, o cenário é desolador.

Como tem sido divulgado, um aluno que esteja hoje no 6.º ano nunca teve um ano sem grandes interrupções, entre pandemia, greve de professores e greve de assistentes operacionais ou função pública.

Só este ano, nos dois primeiros meses letivos desde setembro, registaram-se mais de quatro dias de greve, o que representa mais de 10% dos dias úteis de aula perdidos.

Se este ritmo continuar, ao longo de um ano letivo é possível que os alunos do sistema público de ensino tenham 18 dias de aulas a menos (2 dias por mês durante 9 meses). Ou seja, um mês a menos de aulas do que os pares noutras escolas.

No limite, e mantendo-se a cadência de greves, existe a forte possibilidade de um aluno chegar ao 10.º ano no sistema público e terminar a sua escolaridade obrigatória com praticamente um ano a menos de tempo letivo acumulado. Deixem-nos reforçar este ponto: um ano a menos em dez anos de escola.

Uma vez que em Portugal cada ano na escola está correlacionado com um aumento salarial de aproximadamente 7%, isto significa que estamos a vetar um grande número de alunos a um futuro de menos oportunidades, com salários mais baixos e em que realizar os sonhos será mais difícil. Se esse aluno for de um contexto mais vulnerável, estamos de facto a cortar a possibilidade de aspirar a uma vida melhor. Mais do que uma simples estatística, estamos a perpetuar ciclos de pobreza e de desigualdade de oportunidades.

Todos sentimos as consequências. E não podemos deixar de olhar para o custo real desta situação para os alunos. Cada dia de greve é um dia sem aulas, sem os colegas e sem o estímulo e a estrutura que só a escola pode proporcionar. Para muitos alunos, a escola é mais do que um local de aprendizagem – é um espaço seguro, de convívio, de desenvolvimento pessoal e social. Quando as escolas fecham, mesmo que por um dia, as desigualdades sociais e educativas que já existem nas famílias tendem a ampliar-se. Para algumas famílias, garantir o acompanhamento dos filhos em casa durante um dia de greve não é um problema. Para outras, é uma fonte de stress e desestabilização.

Quatro dias de greve em apenas dois meses de aulas, significa uma perda significativa para quem já enfrenta tantos desafios no seu percurso escolar. Falar de greves na educação não pode ser feito sem reconhecer a urgência de valorizar a profissão docente e não docente. Precisamos de professores e assistentes motivados, respeitados e adequadamente recompensados para garantir que cada aluno, independentemente do contexto em que vive, tenha acesso a uma educação de qualidade. O professor, em particular, é duas a três vezes mais importante do que qualquer outro elemento dentro da escola para o sucesso escolar dos alunos. E, neste momento, esse poder de transformar vidas não está a acontecer. Estamos a falhar aos nossos professores e aos restantes assistentes e, como consequência, estamos a falhar aos nossos alunos.

Ser professor por vocação não paga as contas, não compensa anos de formação, nem cobre o desgaste emocional e físico acumulado nas salas de aula. Este sistema, apesar das dificuldades, continua a ser sustentado pela dedicação de profissionais que, dia após dia, dão tudo o que podem pelos seus alunos.

As greves não são o problema em si; são é um sintoma de um problema maior. São o sintoma de uma classe docente desmotivada que sente que lutar pelos seus direitos é a única forma de ser ouvida. Um sistema de ensino é tão bom quanto melhores forem os seus professores. E sem os melhores professores e uma escola de qualidade, o futuro dos nossos jovens fica comprometido.

Se não agirmos, estaremos a comprometer o futuro de uma geração inteira de alunos. E esse é um preço demasiado alto a pagar. Como sociedade, devemos a estes jovens um sistema educativo estável, com docentes e não docentes entusiasmados e preparados, que possam inspirar e guiar cada estudante a atingir o seu máximo potencial. Não podemos continuar a permitir que as portas se fechem antes mesmo de serem abertas.

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