Nyombi era activista climático no Uganda — até rumores de homossexualidade o forçarem ao exílio

Ameaças e acusações falsas sobre homossexualidade, punível com pena de morte no Uganda, surgiram depois de Nyombi Morris intensificar protestos contra o oleoduto de petróleo bruto da África Oriental.

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Nyombi Morris, ugandês de 26 anos, num protesto pelo clima Ken Schles
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Final de Agosto. Nyombi Morris recebe uma chamada de um número oculto. Do outro lado da linha, uma voz desconhecida deixa ameaças, diz que o conhece, que sabe onde vive e quem o rodeia, que vai ser detido e agredido. A partir daí, os telefonemas e mensagens anónimas sucedem-se e, com eles, a divulgação de rumores sobre si, acusando-o de ser homossexual — no seu país, o Uganda, a homossexualidade é crime, punível com pena de morte. Com a vida em risco, Nyombi foi obrigado a fugir, refugiando-se agora na Dinamarca, onde aguarda a concessão de asilo.

Aos 26 anos, Nyombi Morris é um conhecido activista climático no Uganda, fundador da organização Earth Volunteers, acusado de usar a sua popularidade para “promover a homossexualidade”. Desde a primeira chamada anónima que atendeu, a 26 de Agosto, bastaram algumas semanas para que as ameaças o obrigassem a fugir do país, pela sua segurança e da família.

“Entre Julho e Agosto, dezenas de activistas foram detidos por protestos contra o EACOP [​o oleoduto de petróleo bruto da África Oriental, um projecto controverso que pretende ligar o Uganda à Tanzânia]”, começa por explicar, em conversa com o P3. “Então fiz uma publicação nas redes sociais a pedir donativos para ajudar a pagar as fianças. Entre as pessoas que ajudei a libertar está um amigo e surgiram rumores de que íamos casar, que nos tinham visto num café a beijarmo-nos. Foi quando começou o ataque.”

Nyombi identifica-se como um homem cisgénero heterossexual e a história sobre a sua relação com este amigo não é mais do que um boato. Mas a acusação de “promoção de homossexualidade”, mesmo que falsa, é grave o suficiente para pôr em risco a sua vida. O jovem ugandês acredita que a perseguição de que é alvo seja motivada pelo seu papel no activismo climático.

Em 2008, com 10 anos, viu a casa da família ser destruída pelas cheias, agravadas pela desflorestação de Bugoma, uma reserva florestal no Oeste do Uganda. Foi esse desastre que o fez, ainda adolescente, começar a questionar a inacção política face às alterações climáticas. Seguiram-se anos de protestos que desafiaram autoridades e grandes empresas. Chegou a ser detido em 2021, durante uma manifestação pacífica do movimento Fridays For Future. Ultimamente, tem dedicado mais energia aos protestos para travar o gigante EACOP.

Nyombi Morris, em protesto contra o East African Crude Oil Pipeline (EACOP). Nyombi Morris
Nyombi Morris tem lutado em defesa do clima desde que a casa da família foi destruída pelas cheias, em 2014. Nyombi Morris
Jovem ugandês de 26 anos foi obrigado a fugir do país em Setembro. Nyombi Morris
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Nyombi Morris, em protesto contra o East African Crude Oil Pipeline (EACOP). Nyombi Morris

Apesar de ter “muitos amigos queer” no Uganda, obrigados a viver uma vida dupla, apenas teve contacto com grupos de apoio a pessoas LGBTI+ depois de a irmã lhe contar que era lésbica e que tinha sido expulsa da escola. Tinha medo, até de colegas convictos de que "a homossexualidade é um pecado", e precisou de ajuda para fugir. No Verão de 2023, aos 21 anos, a irmã apanhou o voo para o Reino Unido, onde já voltou a estudar, mesmo sem nacionalidade britânica.

Meses antes, em Maio, o Presidente ugandês tinha promulgado uma das mais severas leis anti-LGBTI+ do mundo. A homossexualidade já era proibida no Uganda, tal como em dezenas de outros países africanos, mas a nova lei levou a criminalização ainda mais longe, prevendo até 20 anos de prisão pelos crimes de “recrutamento, promoção e financiamento de actividades” entre pessoas do mesmo sexo. Quanto à actividade sexual entre casais homossexuais, é punida com pena de prisão perpétua ou pena de morte.

Desde a aprovação da designada Lei Anti-Homossexualidade, tornaram-se mais frequentes e mais graves várias estratégias de intimidação no Uganda, já que a própria legislação instiga a vigilância e denúncia entre cidadãos. Um relatório da Amnistia Internacional publicado em Outubro aponta as mais comuns, conduzidas com a cumplicidade das autoridades: exposição pública da identidade, dados pessoas ou orientação sexual online; chantagem; hacking; e campanhas de desinformação.

“Quando essa lei foi aprovada, critiquei-a abertamente. Aí já tinha começado a tentar ajudar a minha irmã através da minha rede de activismo e muita gente me atacou, acusando-me de ser um activista gay disfarçado de activista climático”, conta Nyombi Morris, a partir da Dinamarca.

“Temos um Governo brutal liderado por um ditador e por máfias, é um grupo de criminosos que vai contra todos os que o desafiam”, diz, acrescentando que prestar vassalagem ao regime é a única forma de viver em segurança.

A partir do momento em que começaram os rumores sobre Nyombi, todos os que lhe eram próximos estavam também sob ameaça. Os irmãos mais novos, ainda a viver no Uganda, foram suspensos da escola e, até hoje, não voltaram às aulas. A 2 de Setembro, quando já estava escondido longe de casa, a sua família acordou de madrugada com pancadas na porta. Não chegaram a abrir e não perceberam se eram polícias ou civis. Entretanto, a mãe foi interrogada sobre o paradeiro de Nyombi e sobre quem o estava a ajudar e o seu telefone foi confiscado.

Enquanto se mantinha escondido das autoridades, Nyombi pediu ajuda a diferentes organizações para fugir do país e foi contactado pela embaixada dinamarquesa em Kampala, informando que tinham tido conhecimento da sua história e que estavam dispostos a ajudar. Chegou depois à organização de direitos humanos DefendDefenders e, já na Dinamarca, encontrou o apoio da Global Aktion.

Está dependente da ajuda dessas organizações e de alguns amigos na Dinamarca, onde aterrou a 23 de Setembro. Poucos dias depois da fuga, a sua conta bancária foi congelada, pelo que não tem dinheiro nem consegue ajudar a família no Uganda, onde deixou a mãe, solteira, com dois filhos estudantes e sem rendimentos. Também ficou sem documentos, confiscados quando passou a fronteira do Uganda para o Quénia, de onde apanhou o voo para a Dinamarca.

Nyombi Morris relata a sua história ao P3 a partir do quarto onde ficou instalado e que apresenta durante a videochamada. Está sentado à secretária, entre dois beliches. Nessa pequena divisão, resta apenas espaço para um frigorífico, que serve os quatro habitantes. Fora do quarto, têm acesso a uma casa de banho partilhada. Apesar de ser uma solução provisória, há quem lá esteja há mais de um ano.

“Não é higiénico, não há privacidade, não tenho dinheiro, não posso sair daqui... É como uma prisão, é sobre controlo”, descreve, enquanto enumera algumas regras que tem de cumprir, sob pena de ver cortado o financiamento que recebe do Estado dinamarquês. Feitas as contas, tem cerca de seis euros por dia para as suas despesas, incluindo alimentação. “Até agora, ainda não me entrevistaram, não falei com ninguém. Ninguém sabe porque é que estou aqui. Estou à espera, mas, mesmo depois da entrevista, a resposta pode demorar meses — e, quando chega, pode trazer um pedido de nova entrevista ou uma rejeição do asilo.”

“Quero voltar, mas é preciso coragem, especialmente quando temos o mesmo líder há 40 anos [Yoweri Museveni]​, num regime demasiado tribal”, confessa. Nyombi é alvo de um mandado de detenção no Uganda. Caso atravesse a fronteira do próprio país, a polícia estará à sua espera, arriscando até 20 anos de prisão. ​“Ainda acredito que o Uganda é o meu país, não quero perder a cidadania. Da Dinamarca só quero protecção.”

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