Rap World: burrice, tristeza e piada

Conner O’Malley, especializado em personagens patéticas, hilariantes e deprimentes, é protagonista e co-realizador de um falso documentário sobre um trio de aspirantes a rappers em 2009.

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Rap World: DR
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O ano é 2009. O sítio, um subúrbio da Pensilvânia chamado Tobyhanna. A missão de três tipos brancos patéticos, sonhadores, iludidos e pouco inteligentes, com idades compreendidas entre os 19 e os 32 anos, é gravar, ao longo de uma só noite, um disco de rap. Também não são dotados para isso e não têm propriamente canções prontas: querem tudo o que vem de fazer rap, mas não propriamente trabalhar por isso. O plano é gravarem em casa da mãe de um deles, que está fora a fazer uma operação plástica na Costa Rica. Sempre infantis, vão sendo desencaminhados por idas ao McDonald’​s, festas, idas a casa de amigos, parques de estacionamento e reuniões com a mãe dos filhos de um deles. Tudo é filmado, de forma tosca, por um amigo, em formato digital antigo, com uma mini-DV da viragem do século, com imagem cheia de grão, algo que remete logo para outro tempo.

É esta a premissa de Rap World, uma média metragem de quase uma hora, um falso documentário cómico co-escrito e realizado por Conner O’Malley​ e Danny Scharar. São também dois dos protagonistas, o primeiro faz do membro mais velho do grupo, que trabalha num cinema com o mais novo, e o segundo faz do amigo que filma. Passou nos cinemas da BAM, a Brooklyn Music Academy, em Nova Iorque, e no L.A. Festival of Movies e agora está no YouTube, onde vive uma grande parte do estranho e hilariante trabalho de O’Malley​ na comédia.

O’Malley​ é especializado em personagens burras com histórias trágicas e vidas que se vão desmoronando. Além do trabalho em nome próprio, vai aparecendo em filmes, como, este ano, no fenómeno I Saw the TV Glow, de Jane Schoenbrun, que passou no QueerLisboa, e trabalhou, seja em frente à câmara ou na escrita, em séries cómicas televisivas mais a sério, como Joe Pera Talks with You ou How to with John Wilson, aparecendo também em What We Do in the Shadows. Sozinho, tem-se especializado em pequenos vídeos para a Internet. Está a fazer, agora, coisas cada vez maiores: no ano passado, por exemplo, fez The Mask, sobre um tipo que vai para Los Angeles com o sonho de fazer comédia de improviso e acaba por enveredar por teorias da conspiração, este ano fez Stand-up Solutions, em que é um tipo a fazer uma apresentação da primeira inteligência artificial de stand-up que acaba interrompida pelos seus problemas conjugais.

As coisas também correm invariavelmente mal em Rap World, de uma maneira que é, em doses iguais, hilariante e profundamente triste. Originalmente, era uma curta-metragem passada em 2003, mas as personagens referiam O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, que só saiu em 2008, algo que só perceberam depois. A versão mais longa não chega a mencionar esse filme, mas, em entrevista ao Vulture, o site da New York Magazine, Danny Scharar afirmou que “dá para ver que estes tipos o viram”. Além disso, dizem, remete para uma altura em que as redes sociais já existiam, mas as pessoas ainda não sabiam comportar-se em frente a uma câmara apontada a toda a hora. Parece mesmo da altura, e há canções (Coldplay, Gorillaz, Missy Elliott) que se ouvem a ajudar nisso. A ideia é vagamente inspirada num grupo real dos subúrbios de Nova Jérsia, Carolina Dreamin’, cuja música também aparece na banda sonora.

Essa entrevista com Scharar e O’​Malley fala da estética de CKY, ou Camp Kill Yourself, uma série de vídeos iniciada em 1999 por Bam Margera e os seus amigos, que viria a dar origem a Jackass, o reality show transformado em séries de filmes de peripécias estúpidas da MTV que é um clássico da cultura do início do milénio e algo que estas personagens claramente viram e tentaram copiar, e ainda o documentário American Movie, de Chris Smith, sobre um aspirante a realizador. É o tipo de coisa, diz O’Malley, que alguém teria sacado do Limewire, um programa de partilha de ficheiros lançado no ano 2000.

Como muito do que o cómico faz, e vários outros mockumentaries, é pensado para parecer mesmo real. Uma pessoa pode apanhar isto no YouTube e achar que estas pessoas existem mesmo, são mesmo assim, e alguém estava, por acaso, a filmá-las e pôs isso na Internet.

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