Que regras do mercado internacional de carbono foram aprovadas na COP29?

Negociadores criticaram a forma pouco transparente como o acordo foi fechado pelo grupo de peritos técnicos no primeiro dia da COP29.

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Nos mercados de carbono, projectos de conservação podem ser convertidos em créditos de carbono, que são comprados por países ou empresas para compensar as emissões em excesso José Sérgio
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Foram adoptadas esta segunda-feira, no primeiro dia da COP29, a cimeira do clima das Nações Unidas, as normas de qualidade dos créditos de carbono, fundamentais para o lançamento de um mercado global de carbono supervisionado pelas Nações Unidas, que financiará projectos que reduzam as emissões de gases com efeito de estufa e poderá ajudar os países a cumprir as sua obrigações em matéria de acção climática.

A decisão de pôr em marcha o mecanismo previsto no artigo 6 do Acordo de Paris, que estabelece as bases para um mercado de carbono internacional apoiado pela ONU. Os negociadores dos países presentes na COP29 tentarão agora concluir outras regras destinadas a estabelecer um mercado fiável e robusto.

Preparámos uma série de perguntas e respostas para perceber o que esta decisão sobre o Artigo 6 traz de novo.

O que são créditos de carbono?

Os créditos de carbono são gerados por actividades que reduzem as emissões de gases com efeito de estufa responsáveis pelo aquecimento global, como a plantação de árvores, a protecção de habitats ou a substituição de carvão poluente por energia solar ou eólica. Um crédito equivale a uma tonelada de dióxido de carbono que se evita que entre ou seja eliminada da atmosfera.

Os créditos de carbono permitem que os países ou empresas paguem por projectos em qualquer parte do planeta que reduzam as emissões de CO2 ou o removam da atmosfera e utilizem os créditos gerados por esses projectos para compensar as suas próprias emissões, mas os mercados voluntários de carbono têm sido marcados por problemas de fiabilidade.

O que é o artigo 6 do Acordo de Paris?

O artigo 6 do Acordo de Paris é considerado um mecanismo importante para o financiamento climático de países em desenvolvimento, ajudando os países a "trabalhar em conjunto" para reduzir as suas emissões de carbono através da comercialização de créditos de carbono - as compensações (offsets). Estes créditos podem ser incluídos nos seus planos de acção climática, conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC).

Um dos mecanismos, previsto no artigo 6.2, permite que dois países estabeleçam as suas próprias condições para um acordo bilateral de comércio de emissões de carbono. O segundo mecanismo, previsto no artigo 6.4, tem como objectivo criar um sistema centralizado, gerido pela ONU, para que os países e as empresas possam compensar as suas emissões de carbono através da compra de créditos de carbono provenientes de projectos.

Todos estiveram de acordo?

Não. Muitos negociadores criticaram a forma como o acordo foi feito neste primeiro dia da COP29. As normas foram acordadas por um pequeno grupo de peritos técnicos, tendo alguns países afirmado que não lhes foi dada a oportunidade de uma participação justa na definição das regras finais.

“Apoiamos o que foi feito, mas não a forma como foi feito”, afirmou Kevin Conrad, director executivo da Coligação para as Nações das Florestas Tropicais e antigo enviado para o clima da Papua-Nova Guiné, acusando o conselho de supervisão de ter ultrapassado o seu mandato.

A especialista Erika Lennon, do Centro para o Direito Ambiental Internacional (CIEL), também criticou falta de transparência com que os textos foram aprovados, acrescentando, citada pela agência de notícias AFP, que a aprovação destas normas de qualidade "é extremamente importante" porque irá "abrir caminho" para um mercado de carbono mais estabelecido, concebido para negociar créditos de carbono de qualidade.

E os direitos humanos?

Embora as normas aprovadas em Baku tenham como objectivo dissipar as preocupações de que muitos projectos não proporcionam os benefícios climáticos que alegam, os activistas afirmaram que ficaram aquém em áreas como a protecção dos direitos humanos das comunidades afectadas.

“Muitos financiadores estão preocupados com o facto de os mercados não serem suficientemente estáveis e credíveis para poderem investir mais”, disse Rebecca Iwerks, co-directora do grupo sem fins lucrativos Namati, à Reuters. “O acordo de segunda-feira pode impedir o desenvolvimento do mercado se as normas não forem robustas”, afirmou.

O que ficou decidido, afinal?

Os critérios adoptados em Baku vão reger a metodologia para calcular o número de créditos que um determinado projecto pode gerar e o que acontece se o carbono armazenado se perder, por exemplo, se a floresta em causa arder.

As normas propostas dizem principalmente respeito aos países - especialmente os poluidores ricos - que procuram compensar as suas emissões comprando créditos a nações que reduziram os gases com efeito de estufa além do que tinham prometido.

Não fica claro como o novo sistema irá evitar que os países mais poluidores utilizem os créditos de carbono adquiridos a outros para reduzir apenas no papel as suas emissões de gases com efeito de estufa.

Os créditos não estão associados a greenwashing?

Muitas vezes, sim. Até agora este mercado tem-se desenvolvido por si só, à margem de quaisquer regras internacionais, e tem sido utilizado principalmente por empresas que pretendem "compensar" as suas emissões e reivindicar a neutralidade do carbono.

Mas vários estudos demonstraram a ineficácia de muitos projectos, certificados por organismos privados pouco rigorosos, por vezes em detrimento das populações locais.

Em Portugal, o arranque do Mercado Voluntário de Carbono nacional demorou mais de um ano, devido à dificuldade em desenhar regras equilibradas.

Afinal, quanto dinheiro o mercado pode gerar?

A Associação Internacional de Comércio de Emissões, um grupo empresarial que apoia os mercados globais de carbono, calcula que o comércio total no mercado apoiado pelas Nações Unidas poderia gerar 250 mil milhões de dólares por ano até 2030, contribuindo para reduzir cinco mil milhões de toneladas métricas de carbono anualmente.

Todos os países vão poder participar?

A pergunta que muitos fazem tem sido antes: os EUA poderão participar, tendo em conta que Donald Trump prometeu retirar novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris?

O acordo de segunda-feira poderá permitir que um mercado global de carbono apoiado pelas Nações Unidas, que tem estado a ser preparado há anos, comece a funcionar já no próximo ano, afirmou um dos negociadores da COP29 à Reuters.

Juan Carlos Arredondo Brun, ex-negociador climático do México, que agora trabalha para a empresa de dados do mercado de carbono Abatable, afirmou que esta decisão “nos aproximará da operacionalização do mercado de carbono antes que qualquer parte possa decidir afastar-se do Acordo de Paris”.

O mercado poderia ser uma via para as empresas americanas continuarem a participar nos esforços globais de combate às alterações climáticas, mesmo que Trump abandonasse o Acordo de Paris. Se isso acontecesse, as empresas americanas ainda poderiam comprar créditos do mercado apoiado pela ONU para cumprir suas metas climáticas voluntárias.