Um PRR só para a Natureza
Catastrófico: não há outro adjetivo para qualificar o declínio de 73% na dimensão média das populações de animais selvagens monitorizadas em apenas 50 anos, segundo o Relatório Planeta Vivo publicado pela WWF. A cada edição deste relatório, assistimos a um maior declínio da natureza e a uma maior instabilidade do clima. A cada edição deste relatório, dizemos: a resposta atual dos decisores políticos é insuficiente para cumprir os objetivos ambientais críticos, é preciso fazer mais!
Hoje, é dia de dizer basta. A crise das alterações climáticas e a crise da perda de natureza (duas faces da mesma moeda) estão a pôr em perigo toda a vida na Terra – e quando os impactos negativos acumulados causados por décadas de más práticas atingem um limiar, a mudança perpetuar-se-á de forma descontrolada, abrupta e potencialmente irreversível. Um ponto de rutura. Os decisores políticos estão mais do que conscientes desta realidade: estamos a atingir todos os limites de risco. E sabem também que, na sua grande maioria, as ameaças ao clima e à biodiversidade têm origem em más práticas governamentais e empresariais orquestradas ao longo de todos estes anos, alimentados por interesses de curto prazo que trazem uma ilusão de felicidade e bem-estar apenas para alguns, comprometendo o nosso futuro comum.
A Natureza sustenta a vida humana, sendo a base biofísica das nossas sociedades. É dela que obtemos os alimentos que consumimos, os medicamentos que nos dão saúde, um clima estável, e qualidade do ar e da água. As espécies contribuem para o funcionamento dos ecossistemas ao interagirem entre si e com o ambiente físico e são essenciais para termos ecossistemas resilientes, que fornecem os serviços de ecossistemas de que dependemos.
Não é exagero dizer que o que acontecer até 2030 determinará o futuro da vida na Terra. Temos cinco anos para colocar o mundo numa trajetória sustentável antes que as reações negativas da degradação da natureza e das alterações climáticas combinadas nos coloquem na encosta descendente de pontos de rutura descontrolados. O risco de fracasso é real – e quase não nos atrevemos a pensar nas consequências, apesar de elas estarem à vista de todos e de tantos já as sentirem na pele ou na carteira. É urgente que todos os setores da sociedade, desde os governos, às empresas, até aos cidadãos, se mobilizem para proteger e restaurar a nossa biodiversidade.
Portugal, claro, não se pode alhear do seu próprio destino, estando localizado na região Mediterrânica, um dos hotspots das alterações climáticas. E se, nos últimos anos, muito se tem falado sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e sobre o quão fundamental seria para o país como resposta à crise pós-pandemia, pois então fica a provocação – que haja coragem para criar e implementar um verdadeiro Plano de Recuperação e Resiliência só para a Natureza, mas desta vez sem os interesses mascarados de desenvolvimento sustentável e transição climática presentes no plano atual.
É que, como já denunciámos, a União Europeia canaliza, todos os anos, mais de 30 mil milhões de euros em subsídios para atividades que prejudicam a biodiversidade – e há exemplos em Portugal, como a barragem do Pisão, no Alto Alentejo, que está a ser subsidiada com verbas do tão badalado PRR português, cuja (não) execução será certamente um dos focos de discussão deste Orçamento do Estado. Talvez um dia as crises climáticas e de biodiversidade tenham também lugar de destaque nesta discussão. Esperamos é que, quando lá chegarmos, não seja já tarde demais. Um PRR para a Natureza é urgente para as pessoas, para a sociedade!
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico