É preciso valorizar os sintomas da fibrose pulmonar

Setembro é o mês de Sensibilização para a Fibrose Pulmonar. O desconhecimento desta doença pode levar à desvalorização de sintomas e à progressão da sua gravidade.

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A fibrose é um termo que abrange muitas doenças e entidades clínicas. “O que estamos a falar é de doenças pulmonares intersticiais fibróticas, que se define como um conjunto de doenças que tem alguns mecanismos fisiopatológicos diferentes que, se não forem tratadas, têm uma progressão em degrau e que levam à fibrose pulmonar”, explica António Morais, médico pneumologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP). A fibrose pulmonar caracteriza-se por uma “desestruturação do pulmão, em que há a substituição do tecido normal que respira, por alterações em que essa zona deixa de funcionar”, salienta. Algo que caracteriza essas mesmas alterações é o facto de serem doenças difusas e de ambos os pulmões, ou seja, não afectam apenas uma parte deste órgão ou de um dos lobos.

Esta doença atinge o interstício pulmonar, “uma zona de tecido que está adjacente ao alvéolo, onde passam os vasos e onde se dá a passagem do oxigénio para o sangue”, refere o médico. A partir do momento em que há esta dificuldade de passagem do oxigénio, o doente passa a ter dificuldade em fazer esforços.

Como esta é uma doença rara, existe um défice de sensibilização para o diagnóstico precoce. “Existe uma dificuldade da penetração do oxigénio na corrente sanguínea que leva a uma incapacidade de esforço, que é tanto maior quanto maior for esta barreira”, explica António Morais. E, de facto, esse é um sintoma inespecífico, uma vez que “a dispneia de esforço pode acontecer se qualquer um dos parâmetros da respiração estiver alterado”. Existem doenças muito prevalentes que têm alterações a este nível, por exemplo, a insuficiência cardíaca, a doença pulmonar obstrutiva crónica ou a anemia.

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“As estruturas da saúde têm de ter pessoas dedicadas a esta doença e um número de especialistas diferenciados da área da pneumologia, mas não só. Estas doenças não serão bem avaliadas se não tiverem um contributo de radiologistas torácicos e de patologistas” – António Morais, Presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

A primeira abordagem destes doentes surge nos médicos de Medicina Geral e Familiar que, na opinião do pneumologista, vão procurar as doenças mais prevalentes, em primeiro lugar. “A questão é que depois de terminar esta abordagem, se tudo estiver normal, não pode haver uma desvalorização daquilo que é mais raro e, às vezes, estes doentes dão alguns sinais, nomeadamente alterações da auscultação e complicações respiratórias.” Existe ainda a questão da desvalorização comum do doente propriamente dito, uma vez que a maior parte de estas doenças manifestam-se a partir dos 60 anos ou numa idade mais avançada, o que pode levar a que pessoa considere que está mais cansada porque também está mais velha e assume esse sintoma como normal para a faixa etária. Além do cansaço, um outro sintoma comum na fibrose pulmonar é a tosse seca, que pode ser persistente.

Entre o tempo em que o doente percebe que tem algumas queixas e a procura de ajuda médica, “a fibrose vai avançando”, alerta António Morais. Esta é uma doença irreversível, o que significa que só o diagnóstico precoce é que pode levar à administração do tratamento, o mais cedo possível, para evitar essa evolução. “Quanto mais tarde iniciarmos a terapêutica, menos beneficia o doente.”

A importância de uma equipa multidisciplinar

Ana Cristina tem 56 anos e recebeu o diagnóstico de fibrose pulmonar, em 2022, como consequência de uma doença auto-imune, Síndrome de Sjorgen, que lhe provocou envolvimento pulmonar. Os sintomas que tinha – tosse, cansaço, perda de peso, falta de apetite – foram muito associados à infeção por Covid-19. Fez alguns testes à Covid-19 e todos deram negativo. “Efectuei também uma análise ao sangue e tinha um valor um pouco alarmante (ligado à detecção de inflamação) e fiz também um Raio-X”, conta. Foi este exame que acabou por indicar que algo não estava bem, tendo sido recomendada a realização de uma TAC. Depois, foi reencaminhada para um médico pneumologista, mas a situação foi piorando. “Tive de ir às urgências e fiquei internada nos cuidados intensivos.”

Actualmente, Ana Cristina é acompanhada em reumatologia, devido à doença auto-imune que tem, e em pneumologia. “Estou a ser vigiada e tomo alguma medicação para controlar a doença de base e tenho de utilizar um concentrador [de oxigénio] para a situação de esforço físico.” Quando tem de subir escadas, por exemplo, cansa-se e tem de parar a meio. No dia-a-dia, vai vigiando a capacidade de oxigénio, através de um oxímetro. O diagnóstico não deixou de a surpreender, pois associava a fibrose pulmonar a pessoas com determinadas profissões. Enquanto professora do Ensino Superior – actualmente de baixa médica devido ao impacto dos sintomas no dia-a-dia – desconhecia que pudesse desenvolver esta doença. “Comecei a procurar informação junto dos médicos e da associação RESPIRA para tentar prevenir o agravamento.”

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“Devemos pensar que quanto mais cedo formos diagnosticados e tratados, à partida podemos ter uma maior qualidade de vida” – Ana Cristina, doente com fibrose pulmonar

A pensar nesta realidade e no diagnóstico tardio, foi lançada uma campanha nacional que alerta para a importância de conhecer os sintomas da fibrose pulmonar. A iniciativa da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, da Fundação Portuguesa do Pulmão e da RESPIRA, com o apoio da Boehringer Ingelheim, chama a atenção da população em geral e dos profissionais de saúde para as consequências desta doença nas actividades diárias e para a possibilidade de agravamento ao longo do tempo. E, sobretudo, para que não se adie a ida a um médico na presença de sintomas, pois a identificação da fibrose pulmonar e o diagnóstico e tratamento precoces atrasam a progressão irreversível da doença.

António Morais destaca a importância da participação e a avaliação de uma equipa multidisciplinar com médicos de várias especialidades para dar resposta a um diagnóstico diferencial “que não é fácil”. A TAC constitui “o pilar diagnóstico, que nos orienta muito”, mas também é possível recorrer ao “lavado broncoalveolar que é feito por broncoscopia e a biópsia pulmonar, que pode ser feito por cirurgia ou também por broncoscopia”. Mesmo depois de uma avaliação por parte de vários especialistas, o médico pneumologista revela que entre 10 e 15% dos casos são intitulados de “doença pulmonar intersticial fibrótica inclassificável”.

Relativamente ao tratamento, divide-se pela natureza de estas doenças. “Existem dois antifibróticos à disposição, ao qual pode ser adicionado um imunossupressor” dependendo do perfil de imunidade do doente. Cada caso é um caso e o tratamento é personalizado a cada pessoa.

Ana Cristina aconselha a procura de ajuda junto do médico de medicina geral e familiar perante qualquer suspeita. “Devemos pensar que quanto mais cedo formos diagnosticados e tratados, à partida podemos ter uma maior qualidade de vida”, salienta, sugerindo que os doentes devem ser proactivos e fazer a sua parte na gestão da doença.

Quando uma pessoa detecta qualquer incapacidade na sua vida normal, deve valorizar esse sinal porque isso pode traduzir-se num diagnóstico e tratamentos correctos, sugere o presidente da SPP. “As estruturas da saúde têm de ter pessoas dedicadas a esta doença e um número de especialistas diferenciados da área da pneumologia, mas não só. Estas doenças não serão bem avaliadas se não tiverem um contributo de radiologistas torácicos e de patologistas.” É nesta rede e interacção que é possível mudar o prognóstico de uma doença incurável, mas com tratamento.

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