Reprodução social – falhámos aos jovens
Continuamos a reger-nos por parangonas como se fossem grandes verdades. “A geração mais preparada de sempre” é uma delas: mas afinal qual é a geração que não é mais preparada do que a que a antecede?
Estamos a falhar aos jovens. Quem nasce numa família pobre fica pobre. E esta é uma realidade que nos devia sobressaltar fortemente como sociedade. Existe um mecanismo de reprodução social que, em vez de ser rompido pelas políticas públicas e por um país vibrante de oportunidades, se agravou cada vez mais numa espiral de falta de rendimentos, e de exclusão social. Por outro lado, quem nasce em condições mais favoráveis consegue ter ainda mais acesso à educação, saúde e às melhores oportunidades de emprego. Se esta realidade de dualidade e reprodução social não fizerem soar um grito de alarme sobre o mau caminho seguido pelas políticas públicas nos últimos anos, não sei o que fará.
Acresce ainda termos um contrato social quebrado em áreas como a segurança social ou a dívida pública, que importa pôr em cima da mesa, mesmo que alguns considerem estes temas como algo mais do “economicês” (que não são) e que tirem proveito da falta de informação e literacia. De facto, serão os mais jovens a suportar a maior parte do esforço decorrente das decisões e benefícios que a geração atual está a tomar e usufruir.
Este tema foi de novo trazido a público a propósito do lançamento do livro Jovens e o Mercado de Trabalho, coordenado pelo professor Renato Miguel do Carmo, com a envolvência dos Observatório das Desigualdades e Observatório do Emprego Jovem do Iscte, com estudos de base relacionados com a comissão do anterior Governo que conduziu ao Livro Verde da Segurança Social.
Importa destacar alguns eixos. Desde logo, o desafio dos jovens no mercado de trabalho não se esgota nos temas de legislação laboral. Em segundo lugar, a calamitosa situação estrutural da economia portuguesa, que se traduz numa ideia associada a um insidioso sentimento de culpa: as empresas e os empresários não conseguem criar emprego. Esquece-se os custos de contexto, a incapacidade de a economia gerar valor acrescentado e até a falta de coesão territorial.
Os dados recentes demonstram o aumento do desemprego jovem e que, nos últimos 20 anos, aumentou a discrepância entre jovens que concluíram o ensino superior ou apenas o ensino obrigatório. Pode-se dizer que a dificuldade de entrada no mercado de trabalho é transversal na Europa, mas aos 20% dos mais novos desempregados acrescem os níveis de emigração, o que nos coloca num pódio indesejável – ou seja, o desemprego jovem é mais baixo nos países do Norte da Europa e os outros países do Sul, também com desemprego elevado, não têm algo que Portugal tem: um stock de emigração que só compara com o de países em guerra.
Um dos problemas de abordar este tema é que ele não é monocausa. Não é somente “o mercado de trabalho”, ou “a educação”. Reconhecer o fenómeno complexo e tentar vencê-lo requer preparação, vontade, humildade no reconhecimento, ambição no resultado e, obviamente, uma conjugação de visão política de curto e longo prazo. Reunir isto, com foco no país e no resultado, não tem sido obviamente a história política e social dos anos recentes.
Continuamos a reger-nos por parangonas como se fossem grandes verdades e que, no final, de nada adiantam. “A geração mais preparada de sempre” é uma delas: mas, afinal, qual é a geração que não é mais preparada do que a que a antecede? Só em situações como a do Afeganistão é que os jovens não são os mais preparados de sempre. Temos um país com stock de emigração ao nível de países em guerra, com uma exportação de capital humano com custos estimados de dois mil milhões de euros por ano e, simultaneamente, com uma persistente e agravada reprodução social. É um país que falhou na mobilidade social, na igualdade de oportunidades e em muitas políticas públicas. Mas que também falha, certamente, em termos de desassossego de sociedade civil.
A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico