Bastam 20 mortos em quatro anos ou é preciso mais para tirar carros das ruas do Porto?
Com as linhas de metro Rosa e Rubi e o Ramal da Alfândega podemos reduzir o número de carros no centro e dar mais segurança aos peões. O Porto tem uma das piores taxas de atropelamento da Europa.
1. Qual plano?
Há um mês, noticiava-se que o Porto não tinha um plano claro para tirar carros do centro, apesar da linha Rosa, e que um Plano de Mobilidade Urbana Sustentável se encontrava em “fase inicial de desenvolvimento”, com apresentação prevista para os próximos meses. Em fase inicial? Nos próximos meses?
Em Setembro de 2022, o mesmo executivo da Câmara do Porto anunciara que um plano de pedonalização do centro histórico seria “certamente” apresentado até ao final desse ano.
No final de 2023, o GARRA (Grupo de Acção para a Reabilitação do Ramal da Alfândega) confirmou com a empresa à qual se encomendou o plano (MPT) que este estava concluído, o que nos levou a pedir reunião com a vereação do Espaço Público. Continuamos sem resposta desde Fevereiro de 2024.
Resumindo: dois anos sem avanços; pior, fala-se num novo plano, mais custos e atrasos.
2. Congestionada e perigosa
Segundo o estudo da TomTom de 2023, o Porto tem a maior congestão automóvel (% de tempo perdido em horas de ponta por causa do trânsito) em Portugal, com 45%, equivalente a 74 horas anuais. Mas este nem é o maior problema...
O Relatório de Sinistralidade da Autoridade de Segurança Rodoviária (ANSR) sobre 2019, 2021 e 2022 indica que houve no concelho do Porto cerca de 3000 acidentes com vítimas, mais de 20 mortos, 40 feridos graves e 3500 ligeiros. Nada melhorou face ao período 2010-2017, analisado no Plano Municipal de Segurança Rodoviária (PMSR); nesses oito anos, 75% das vítimas ocorreram em vias geridas pelo Município do Porto (ou seja, excluindo a Via de Cintura Interna e Circunvalação).
Os dados mais recentes, do relatório de 2023, continuam a preocupar, com quatro vítimas mortais nas ruas sob alçada da Câmara do Porto: uma por colisão (Rua de Oliveira Monteiro), uma por despiste (Rua de Sobreiras) e duas por atropelamento (Rua de Manuel Pinto de Azevedo e Av. da Boavista).
Talvez seja azar com planos, mas também o PMSR (elaborado em Abril 2019) não conseguiu “diminuir tendencialmente para zero o número de vítimas mortais até 2021” como se propunha fazer.
3. Poucas melhorias
Nos mapas de acidentes com vítimas entre 2018 e 2020 no Porto, verifica-se a sua concentração numa dúzia de vias com mais tráfego, incluindo Rua de Fernão Magalhães, Campo Alegre, Rua da Constituição, Rua de Antero de Quental, Rua de Camões e marginal do Douro.
Porém, nenhuma delas tem beneficiado de medidas de acalmia de tráfego ou protecção de peões. Tampouco (pelo menos para já) incluída na Rede 20, que promete dar prioridade à mobilidade suave e impor 20km/h de limite de velocidade; pelo contrário, esta iniciativa está por ora limitada a ruelas como a dos Caldeireiros e da Bandeirinha, cuja estreiteza e piso já impediam que se circulasse mais rápido.
Quatro anos não foram também suficientes para aumentar em 35km a parca rede de ciclovias da cidade — que o executivo anunciou que estaria concluída no final de 2020; enquanto isso, Lisboa tem dado passos sólidos com uma rede de ciclovias e bicicletas partilhadas em franco crescimento; estudos indicam que as ciclovias contribuem para a redução da velocidade dos carros.
4. Bons exemplos
Aprendamos com os nossos vizinhos de Pontevedra, onde há mais de dez anos não morre ninguém nas ruas, além dos benefícios em saúde e qualidade de vida. Também Helsínquia e Oslo eliminaram a morte de peões desde 2019, graças a menos velocidade e menos espaço para carros (estacionados e a circular).
Em 2021, Espanha reduziu para 30km/h a velocidade máxima em grande parte das vias urbanas; Bruxelas fez o mesmo. Neste âmbito, os estudos compilados pela Prevenção Rodoviária Portuguesa mostram quer a redução da frequência (menos 1km/h de velocidade média reduz 3 a 5% o número de acidentes) quer da gravidade (a 30km/h apenas 5% dos atropelamentos são mortais; a 50km/h, são 45%), mas o nosso país tem a maior taxa de atropelamentos da Europa ocidental, com Porto e Lisboa nessa triste liderança.
Sem esperarmos por mais estudos, é urgente abrandar o trânsito na cidade e tirar carros do centro do Porto; por todos nós, em especial os velhos e as crianças, que merecem ir para a escola a pé sem terem medo de morrer.