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A burrice é histérica
A arte, em todas as suas formas, nos lembra que somos mais do que números, mais do que avatares. Nos reconecta com nossa essência, nos desafia a sermos mais humanos, mais presentes, mais conscientes.
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Era uma vez um tempo em que a arte era o oxigênio do espírito, a música embalava a alma e os livros eram passaportes para universos desconhecidos. Um tempo em que o teatro nos arrancava da mesmice e nos jogava, de cara e coração, em dramas profundos e comédias absurdas. Os filmes nos faziam rir e chorar pela beleza, pela simplicidade, não tinham o compromisso político de nos separar com questões polarizadas.
Pois é, era uma vez. Hoje, esse tempo parece mais uma fábula, uma daquelas histórias que os mais velhos contam e os jovens reviram os olhos, impacientes para voltar para suas redes sociais. Afinal, quem tem tempo para arte nos dias de hoje? A vida acontece em velocidade máxima, e o que não pode ser consumido em 15 segundos simplesmente não interessa. O que interessa para a esmagadora maioria dos jovens está sempre em cartaz na rede social mais próxima de sua casa.
O curioso é que essa aversão à arte não é uma rebelião organizada. Seria fácil lidar com isso. Não, o desinteresse é morno, porém, contagiante, uma indiferença assustadora, devagar e sempre a caminho do nada. Um “tanto faz” que me faz pensar no futuro dessa juventude hipnotizada pela tela de seus telefones.
O grande perigo disso não é só a ausência de arte. É a ausência de perguntas. Porque, vejam bem, a arte nunca esteve interessada em nos dar respostas fáceis. Pelo contrário, a arte existe para nos incomodar, para nos fazer pensar, questionar, para nos tirar de nossas zonas de conforto. Mas, sem essas perguntas, o que resta?
As pessoas hoje estão muito mais preocupadas em entender o algoritmo do Instagram, do que entender suas próprias questões. E isso vai além da arte em si. Porque a falta de interesse por arte reflete, em última instância, uma falta de interesse por profundidade. Se a pintura, o teatro, a música e os livros estão sendo trocados por feeds intermináveis de conteúdos vazios, o que está sendo nutrido, afinal? O intelecto, aquele músculo invisível que nos faz questionar quem somos, para onde vamos, o que queremos do mundo e das pessoas? Esse está atrofiado, perdido em meio a tutoriais de "como viralizar".
Quando a arte desaparece, o senso crítico vai junto. Estamos tão focados em exibir a vida perfeita, que nos esquecemos de perguntar se essa vida tem algum sentido. Seguimos gurus de auto-ajuda como se fossem os novos filósofos, e trocamos a reflexão por frases prontas, sem perceber que, quanto menos nos questionamos, mais manipuláveis nos tornamos. A ausência de arte não cria só ignorância estética. Cria uma ignorância política, social, emocional. Nos transforma em espectadores passivos de nós mesmos.
Será que os jovens estão perdendo a capacidade de se conectar verdadeiramente com a arte, de se deixar tocar pela beleza que transcende o superficial? Não quero soar como um nostálgico amargo, mas há algo de alarmante no som que não ecoa, no vazio que vibra por aí.
Os jovens, cada vez mais imersos no efêmero das redes sociais, parecem não perceber o quanto isso os empobrece. Porque a arte, seja música, seja literatura, teatro ou pintura, é o que nos humaniza. É o que nos ensina a sentir, a refletir, a questionar. Seremos, em um futuro próximo, uma sociedade raivosa, que reclama de tudo, que culpa o outro, que não sabe encontrar soluções para seus problemas. Talvez essa já seja a nossa realidade.
Vamos, pouco a pouco, nos tornando pessoas insensíveis, donas de nossas verdades inconvenientes. O vazio intelectual é um câncer maligno, que deixa o espírito sem saída, e morre sem deixar pegadas.
Outro dia, numa conversa de bar, onde falávamos sobre grandes atores brasileiros, expressei a minha admiração, admiração não, sobre minha devoção ao gigante Paulo Autran. O maior ator brasileiro na minha modesta opinião. E, pasmem, um jovem, amigo de um amigo que disse minutos antes que desejava ser ator, não sabia, não fazia nenhuma ideia de que foi Paulo Autran.
Muito provavelmente ele conhece algum influencer, mas não conhece o maior ator da historia do Brasil! Desculpa, mas se um jovem deseja ser ator no Brasil, ele precisa saber quem foi Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Maria Alice Vergueiro, Nathália Timberg, entre tantos outros. Ele precisa saber! Assim como um jovem que deseja ser artista plástico precisa saber quem foi Rembrandt ou Caravaggio. Sem isso, sem entender e nem conhecer a história dos grandes, parte-se de um princípio sem chão. É a velha casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada…
Mas nem tudo está perdido, não é justo generalizar. Vejo, por outro lado, e essa sim, a verdadeira resistência, jovens que estão conectados, que são minoria, mas carregam em suas costas a esperança de que nem tudo esta perdido. Jovens que estudam, se interessam, que se questionam, questionam o mundo, sem essa mania irritante de querer ter razão. Que procuram soluções criativas, que desbravam as trilhas tortuosas do conhecimento.
A burrice é histérica, ouve se dela por todo lado. A arte, silenciosamente, resiste e sobrevive por aí, na periferia da vida e dos interesses das pessoas. Ninguém precisa e nem deve ser patrulheiro da vida e dos outros. Cada um com seu projeto. Ok! É muito chato aquela coisa de querer ser autor dos mandamentos da pessoa perfeita, isso não existe. É chato e inútil.
A arte, em todas as suas formas, nos lembra que somos mais do que números, mais do que avatares. Ela nos reconecta com a nossa essência, nos desafia a sermos mais humanos, mais presentes, mais conscientes. E, por isso, nunca foi tão urgente resgatá-la, colocá-la de volta no centro da nossa vida, dos nossos ouvidos, dos nossos corações. Porque, sem ela, o que nos resta é o silêncio — e esse silêncio, ironicamente, é o mais ensurdecedor de todos.
A arte não morre, e viva, ninguém poderá ocultar o seu cadáver. Porque no fim, meus caros, quando a bateria do celular morrer, quando o espelho devolver o que o tempo faz com todos nós, o que vai restar? A arte espera por você, pacientemente, como um ancião encostado no muro, louco para fazer as pazes e te dar bons conselhos.
Infelizmente, essa humilde reflexão, esse pobre texto desesperado, não chegará aos olhos de quem precisa. Esses, certamente pararam de ler no fim do primeiro paragrafo para conferir quantos likes tem seu último post no Instagram…