Aqui vende-se mel caseiro e a bicicleta do filho que cresceu. Pergunta-se se alguém perdeu o gato malhado que tem andado a rondar o bairro ou quem terá um espacinho a mais em casa para trabalhar uns dias enquanto o escritório está em obras. Escrito assim, faz lembrar um grupo de vizinhos no Facebook. Mas há grandes diferenças: ninguém se insulta, nem responde torto. Ninguém responde em público, aliás. Quem quiser comprar o mel ou a bicicleta terá de enviar um email ao autor da publicação. E não se contam coraçõezinhos ou polegares nas publicações, porque também não dá para fazer "gosto".

O Front Porch Forum (FPF) é a rede social de que provavelmente nunca ouviu falar, porque não existe em Portugal. Mesmo nos Estados Unidos, está limitada ao estado do Vermont e a umas poucas localidades nos estados vizinhos de New Hampshire, Massachusetts e Nova Iorque. Mas no Vermont, de onde escrevo, o Front Porch Forum é um fenómeno social: tem 235 mil utilizadores activos (eu sou um deles) num estado com cerca de 600 mil habitantes, e é onde os presidentes de câmara e o governo estadual também vão fazendo alguns dos seus anúncios, ainda que não tenham desistido de outros canais, como o Facebook, o Instagram ou o X.

A originalidade do FPF começa por essa natureza hiperlocal: não usa quem quer, usa quem mora numa das comunidades onde a rede está presente (é preciso indicar a morada e o nome verdadeiro, e a mentira dá direito a expulsão). Não há um feed onde se misturem publicações, fotografias e vídeos de primos, colegas, empresas e jornais, ou conteúdos de absolutos desconhecidos recomendados por um qualquer algoritmo. Há apenas uma pequena lista das publicações que foram feitas naquele dia por utilizadores que moram no mesmo bairro.

A própria estrutura da rede inibe o disparate e também não atrai miúdos. Mas o ambiente cordial e construtivo do FPF é sobretudo obra de um modelo de moderação raro na actual paisagem das redes sociais. A empresa que opera o serviço a partir de Burlington, no Vermont, tem 30 funcionários e 12 deles estão encarregues de ler todas as mensagens que são submetidas antes da sua publicação. Não entra spam, conteúdo impróprio, boatos, nem sequer mensagens dirigidas a pessoas ou empresas – é perfeitamente possível publicar um apelo para que não se deixe o cocó do cão no passeio, mas não é permitido identificar e atacar publicamente o vizinho que não apanhou o "presente" do seu animal. Dá para falar de praticamente tudo, até de política, mas sempre num registo cordial.

É um modelo incompatível com a interpretação maximalista de que a liberdade de expressão está acima de qualquer outro direito? É, mas quem quiser escrever tudo o que lhe vier à cabeça continua a ter outras redes sociais e plataformas online para fazê-lo.

E é um modelo apetecível? É, pelos vistos. Não só a adesão em massa ao FPF aqui no Vermont prova que há um mercado para um espaço bem moderado na Internet, onde se pode saber o que se passa na comunidade sem se ser constantemente bombardeado por lixo e insultos, como há já estudos que mostram índices de satisfação entre os utilizadores que não existem noutra plataforma social.

Eis o que diz um estudo da New_Public, uma organização sem fins lucrativos, e da Universidade de Texas em Austin, citado em Agosto pelo Washington Post: 81% dos inquiridos diz que a utilização do Front Porch Forum faz deles cidadãos mais bem informados (apenas 26% diz o mesmo sobre o Facebook); os utilizadores consideram que são mais bem tratados no FPF (nota média de 4,07 valores numa escala de 1 a 5) do que na rede de Mark Zuckerberg (2,41) e a maioria diz ter interagido com vizinhos e com a comunidade fora da rede na sequência da utilização do serviço (60,6% foi a um evento público, 51,1% comprou algo no comércio local, e 25,3% emprestou algo a um vizinho).

O aspecto comunitário do FPF foi especialmente apreciado durante a pandemia, em que muitas pessoas se organizaram ali para ajudar utilizadores doentes ou em isolamento, e durante as cheias que o estado tem enfrentado nos últimos anos, com a partilha de informações vitais ou a angariação de fundos e de bens.

E os donos do FPF fazem algum dinheiro? O suficiente para manter o serviço em funcionamento há 24 anos e para pagar às pessoas que zelam pelo seu bom ambiente. As receitas vêm de quem compra lá publicidade (muito menos intrusiva do que o que se vê noutras plataformas), de donativos de utilizadores e de algum financiamento de fundos de desenvolvimento regional.

Não se espera dali uma entrada em bolsa, nem o investimento de um qualquer bilionário. O FPF não nos dá nenhuma injecção de dopamina que nos deixe viciados. Basta um ou dois minutos para ficarmos com as notícias do bairro em dia. No meu caso, raramente entro no site: recebo um resumo diário no email, e por vezes passam-se semanas sem o espreitar. É outra Internet, mais próxima daquilo que nos foi prometido há 20 ou 30 anos (dos fóruns e das mailing lists de que o FPF é herdeiro no nome e no formato), sem a exigência de uma atenção permanente ou a mercantilização da nossa interacção.

O FPF chega até a ser entediante, mas isso não é mau: serve para o que serve, o que está muito bem, e sobra tempo para as nossas vidas.