As trincheiras orçamentais: entre o pecado original e a relação preferencial

Percebeu-se que essa vontade negocial não existia logo com a rábula da eleição do presidente da Assembleia da República.

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Antes do verão, os sinais de que teríamos algum tipo de entendimento orçamental eram significativos. O Governo, contrariando a expetativa inicial de alguns, acreditava que, afinal, teria tempo e o PS, que abandonara a afirmação tribunícia da campanha interna, mostrava-se disponível para entendimentos. O Presidente não perdia uma oportunidade para empurrar todos para a mesa de negociações e as sondagens revelavam o óbvio: os portugueses não desejam crises.

Se tudo apontava para o entendimento, o fim da longa indolência estival parece ter revelado outro cenário. O Governo age como se gozasse de uma maioria absoluta e crê ter vantagem em precipitar uma crise que lhe permitiria vitimizar-se e reforçar a sua posição relativa em eventuais eleições. Só assim se explica que Montenegro não partilhe informação necessária a uma negociação séria e, com a sucessão de decisões tomadas, vá esgotando toda a margem orçamental. O PS, entretanto, ganhou consciência da armadilha em que se enredou e Pedro Nuno Santos reganhou vitalidade, afirmando-se agora irredutível nas linhas vermelhas que definiu.

A Guerra Fria popularizou um termo que serve para descrever a situação em que nos encontramos — Brinkmanship. Um cenário de pré-conflito no qual as partes envolvidas num braço-de-ferro negocial assumem posições irredutíveis e que, no fim, tende a produzir um resultado indesejado por todos. É o que se está a passar: faltam incentivos para negociar, ninguém quer recuar e perder a face, mas também ninguém deseja arcar com a responsabilidade do chumbo do Orçamento.

Estas trincheiras não começaram a ser cavadas agora: têm uma história e um pecado original. Face a um Parlamento ultrafragmentado e com a AD com uma vantagem ínfima, era necessário assegurar desde o início uma relação preferencial que promovesse um mínimo de estabilidade institucional. Percebeu-se que essa vontade negocial não existia logo com a rábula da eleição do presidente da Assembleia da República.

Perante a atual configuração parlamentar restavam dois caminhos: um entendimento da AD com as forças à sua direita ou uma solução de compromisso com o PS. Montenegro não escolheu nem um nem outro, apostando numa campanha eleitoral permanente, acreditando que, mais cedo ou mais tarde, umas eleições reforçarão a sua posição. É o que explica que o Governo simule uma negociação na qual tem poucos incentivos para fazer cedências.

Já o PS, em lugar de se ter declarado derrotado precipitadamente na noite eleitoral, deveria ter esgotado a possibilidade de um entendimento com os partidos à esquerda (afinal, retirando o Chega da equação, há mais deputados à esquerda do que à direita). Na altura teria sido criticado e a solução rejeitada, mas produziria um efeito clarificador: obrigava o PSD a procurar uma relação preferencial — se fosse com o Chega e a IL, desresponsabilizaria o PS; se fosse com o PS, daria outra força negocial aos socialistas.

Agora resta-nos assistir a uma corrida desenfreada para aumentar a despesa. Um verdadeiro berbicacho que, nuns casos, resulta de decisões do Conselho de Ministros (o que é que justificou este aumento extraordinário das pensões, anunciado num comício do PSD?), noutros, radica em coligações parlamentares esdrúxulas (como o fim das portagens nas ex-Scut, proposto pelo PS e aprovado com o Chega) e noutros ainda, com particular impacto orçamental, como o IRS jovem e a redução do IRC, em coligações parlamentares à direita. Perante isto, alguém pode acreditar numa negociação consequente? Já para não falar de uma estratégia orçamental.

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