Os desafios da entrada na escolaridade
Quando entram na escola, as crianças vêm com uma grande expectativa quanto à aprendizagem, particularmente da leitura e da escrita, julgando que esta vai ser quase imediata, como num passe de magia
Além de ser o mês do regresso às aulas, setembro corresponde à altura da entrada para a escola das crianças que ingressam no 1.º ano de escolaridade. Encarada como uma espécie de “Abre-te, Sésamo!”, profundamente transformadora e repleta de promessas, esta transição não se processa sem que sejam ultrapassados diversos desafios.
Alguns desses desafios são de monta — como a aprendizagem da leitura e da escrita —, por comparação com outros aparentemente de pouca importância, mas essenciais para que a adaptação a este novo patamar de descobertas, mas também de exigência, se processe da melhor forma.
Mas os desafios aparentemente de pouca importância não devem ser desvalorizados, já que o modo como são ultrapassados contribui, de forma determinante, para a visão que a criança vai construir, desde muito cedo, da escolaridade e da sua prestação enquanto aprendiz.
Estar sentado na cadeira
Parece um desafio pouco relevante, mas basta entrar numa sala de aula no início do 1.º ano para perceber o quão difícil pode ser para as crianças de 5 e 6 anos controlarem a sua natural tendência para o movimento. Habituadas a circular na sala do pré-escolar ou a estar sentadas no tapete em torno da educadora, as crianças deparam-se com este desafio quando chegam a uma sala cheia de mesas e de cadeiras, nas quais é pressuposto que permaneçam sentadas, durante tempos letivos que podem ir de hora e meia a duas horas.
Para facilitar esta transição, é importante um olhar compreensivo por parte dos professores sobre esta natural dificuldade, gerindo o tempo e organizando as tarefas escolares de forma gradual. No início do ano, para aliviar os tempos letivos de maior duração, sair da sala por cinco ou dez minutos pode fazer toda a diferença para que as crianças consigam voltar a focar-se nas atividades.
As pedagogias ativas, que favorecem o trabalho de grupo e a circulação pela sala de aula, em determinados momentos, também são facilitadoras desta adaptação. Já a planificação de momentos mais lúdicos, sobretudo da parte da tarde, como a leitura de histórias, as atividades de expressão plástica, a expressão dramática ou a aprendizagem de jogos de tabuleiros, pode contribuir para umas tréguas na necessidade de contenção e tornar a vivência escolar mais prazerosa. Depois da escola, é preferível optar por atividades extracurriculares que privilegiem a atividade física, a distensão e o divertimento, não negligenciando o espaço destinado à brincadeira livre, essencial para o desenvolvimento harmonioso da criança.
Aguardar a vez para falar
Também não parece nada de especial ser capaz de colocar o dedo no ar e esperar pela sua vez para falar, mas, na verdade, não é assim tão simples. As crianças são naturalmente impulsivas e têm dificuldade em esperar, tendo tendência para falar todas ao mesmo tempo. Também nesta situação é necessária tolerância e dar tempo ao tempo, procurando conseguir, gradualmente, um clima de sala de aula mais tranquilo, no qual exista respeito pelo próximo.
Tomar conta dos seus pertences
Muitas famílias são cuidadosas na etiquetagem do material escolar, colocando o nome da criança nas canetas, lápis, afia-lápis, borrachas, tubos de cola e tesouras… Mas o certo é que, a princípio, as crianças têm tendência a perder o seu material escolar e a gastá-lo rapidamente, colocando grandes quantidades de cola nos trabalhos, afiando continuamente os lápis e secando as canetas de feltro, seja pelo excesso de uso, seja por as deixarem destapadas.
Por mais que esta situação possa exasperar os pais, constantemente a braços com a necessidade de repor o material, bem como os professores, continuadamente à procura de lápis, borrachas e afia-lápis perdidos, a boa notícia é que, a pouco e pouco, as crianças aprendem a ser mais responsáveis e a cuidar melhor do seu material escolar, de modo a não o perderem e a preservá-lo.
Autonomia e higiene pessoal
Aguardar, de preferência, pelo intervalo para ir à casa de banho também é outro desafio, no início praticamente impossível de cumprir. A este acresce o facto de já não existir uma auxiliar na sala que permita uma supervisão das idas à casa de banho, sendo necessário que as crianças sejam capazes de ser autónomas a vestir-se, bem como nas questões de higiene pessoal.
Para atingir estes objetivos, é fundamental começar a treinar no pré-escolar, quando ainda há dois adultos por sala, e em casa, onde é possível dar uma atenção individualizada a estas aprendizagens que fazem parte do natural desenvolvimento de uma criança.
Resistir ao imediatismo
Quando entram na escola, as crianças vêm com uma grande expectativa quanto à aprendizagem, particularmente da leitura e da escrita, julgando que esta vai ser quase imediata, como num passe de magia. Perceber que esta aprendizagem não é tão fácil nem tão rápida, exigindo esforço, perseverança e concentração, é interpelante para muitos alunos. Mas é uma tomada de consciência necessária e transversal a toda a escolaridade, que implica resiliência, entusiasmo e vontade.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990