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Este livro de fotografia teve de viajar ao passado para mostrar como as clínicas de aborto deviam ser em 2024

The Last Safe Abortion, de Carmen Winant, reúne imagens do período de 50 anos (1973-2022) em que, nos EUA, o aborto era um procedimento médico legal e seguro. Em 2024, já não é para todas.

Do livro The Last Safe Abortion, da artista Carmen Winant, editado pela MACK Books e SPBH Editions
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Do livro The Last Safe Abortion, da artista Carmen Winant, editado pela MACK Books e SPBH Editions

"Quando fiz um aborto, entre os nascimentos dos meus dois filhos, a minha experiência foi confortável, legal e segura”, recorda a artista norte-americana Carmen Winant, autora do livro The Last Safe Abortion, editado em Abril de 2024 pela SPBH Editions e pela MACK Books. “Foi fácil, para mim marcar a consulta, receber tratamento e recuperar em casa. Não tive de introduzir um objecto afiado pela minha vagina até ao útero [para provocar o aborto], não tive de beber veneno, tomar banhos a escaldar ou atirar-me de um lanço de escadas. Não fiquei deitada, a sangrar, no chão sujo de um motel. Não perdi a minha fertilidade. Não morri, não fiquei traumatizada.”

Este é o mundo em que Winant viveu e aquele que, saudosa, procura representar no livro que reúne as fotografias que recolheu, ao longo de quatro anos, nos arquivos fotográficos de universidades, museus e clínicas médicas e que dizem respeito à realidade da IVG entre 1973 e 2022 na região do centro-oeste americano, ou seja, nos estados do Minnesota, Iowa, Nebraska, Illinois, Kentucky, Dakota do Norte e Ohio.

O tema do livro ganha especial relevo no contexto da reversão da decisão Supremo Tribunal dos EUA do caso Roe vs. Wade, que ocorreu em Junho de 2022. Essa histórica decisão conduziu os EUA para a situação que existia antes de 1973, quando cabia a cada estado decidir se proibia ou autorizava a IVG. Graças a essa reversão legislativa, em dez dos 50 estados norte-americanos o aborto é completamente proibido, desde a concepção, sem mesmo haver excepção para casos de violação ou de incesto. Para as mulheres que vivem nesses estados, a IVG deixou de ser um procedimento legal, seguro. Querendo interromper a gravidez mesmo à revelia da lei, elas terão de recorrer a velhos métodos, arcaicos, perigosos ou mesmo letais.

The Last Safe Abortion é o último trabalho publicado por Winant, que se interessa por questões relacionadas com a condição feminina – publicou, em 2018, My Birth, em torno da temática do parto, e, em 2022, A Brand New End: Survival and its Pictures, com materiais recolhidos nos arquivos de organizações de apoio a vítimas de violência doméstica.

Embora se interesse pelos aspectos políticos, filosóficos e religiosos em torno da questão do aborto, no livro estão imagens que dizem respeito ao trabalho de médicos, enfermeiros e técnicos que levam a cabo os procedimentos da IVG.

“Os cuidados médicos que suportam a interrupção voluntária da gravidez são trabalho”, escreve a artista natural do Ohio na última das 150 páginas do livro. Foi para contrabalançar o peso das campanhas anti-aborto, “que têm instrumentalizado, com grande impacto, tantas imagens gráficas, sobredimensionadas, de aparentes fetos abortados”, que se viu forçada a questionar: “Como deve ser representado o trabalho de assistência à interrupção voluntária da gravidez (IVG)?”

Tocando várias eras, várias estéticas, as fotografias que reuniu descrevem de forma ora técnica ora terna o quotidiano nas clínicas onde os profissionais levam a cabo a IVG. “À semelhança do que acontece em qualquer serviço de saúde, as gazes são desinfectadas, dobradas, as pacientes têm consultas, o equipamento médico é esterilizado”, redige. Há, por outro lado, mãos e braços que amparam a dor, física e psicológica, há acolhimento. “A informação é disponibilizada em painéis e em ficheiros; as pessoas almoçam; as enfermeiras abraçam”, enumera. “E tudo se repete."

Carmen sente fascínio por temas que se relacionam com a condição feminina, mas esse surge como “um canal através do qual estuda as redes de cuidados médicos feministas". Uma clínica deve, na sua óptica, ser mais do que um local o