Vanessa Marina é a b-girl portuguesa na nova modalidade olímpica: o breaking
A b-girl Vanessa Marina estreia-se nos Jogos Olímpicos a 9 de Agosto e, com ela, o breaking. A atleta de 32 anos mistura o desporto e a arte, com inspirações pouco convencionais.
Vanessa Farinha, mais conhecida por Vanessa Marina, é de Leiria. Também é uma b-girl de 32 anos e está prestes a mostrar o que é o breaking, em Paris. A modalidade estreia-se nos Jogos Olímpicos a 9 de Agosto, às 15h, na Praça da Concórdia.
Há umas semanas, Vanessa ainda treinava no MXM ArtCenter, no Porto. Não é difícil vê-la por lá desde que se mudou por haver mais colegas de modalidade no Norte do país. Mais difícil seria prever que na Rua do Ouro, mesmo em frente da calmaria do rio Douro, há um espaço onde se dança tão freneticamente que quase nos transporta para as ruas do Bronx nos anos 1970, onde tudo começou.
Para Vanessa, o breaking chegou mais tarde do que para a maioria das atletas com quem vai competir. Primeiro ainda fez ballet e dança contemporânea. Só em adolescente, já sem o empurrão da mãe, é que se aproximou do R&B. O verdadeiro ponto de viragem foram, contudo, os videoclips.
"Na altura, os videoclips eram cheios de dança, às vezes eram mais dança do que propriamente um foco no cantor e, em casa, tentava replicar as coreografias”, conta, relembrando os momentos que passou em frente ao televisor ligado na MTV.
Entretanto, em Leiria, abriu uma aula de hip-hop, o estilo mais comum nas coreografias dos videoclips que Vanessa via. “Comecei a frequentar essa escola e tive a sorte de os meus professores já estarem envolvidos nas batalhas de rua. Eu fazia um hip-hop muito generalista, que era o que se via nos videoclips, mas há várias vertentes”. Entre estas, o popping, o locking e o breaking (o termo historicamente mais adequado para breakdancing).
Começou a ir com os professores às batalhas e a perceber mais a parte competitiva da dança, o que está para lá das coreografias, e começou a sentir-se mais à vontade com o freestyle, o improviso.
Mais tarde, mudou-se para Lisboa, em 2012, e foi com um amigo b-boy treinar para a Gare do Oriente. “Era coberto, podíamos levar música e foi aí que comecei a incorporar mais movimentos de break”, um gosto sedimentado ao longo dos tempos de faculdade, na Escola Superior de Dança. Foi nessa altura que começou a participar em pequenas competições, em grupo ou a solo.
De diploma na mão, Londres chamou mais alto, até porque havia a possibilidade de integrar um grupo de dança contemporânea. O plano não resultou, mas ficou na mesma na cidade. “O nível lá é muito maior, há muito mais gente a praticar e foi aí que o meu nível aumentou exponencialmente, comecei a viajar e a espalhar o meu nome pela Europa, pela América, pela Ásia.” Até hoje, não sabe o que a levou a escolher o breaking, “na verdade, até tinha menos saída".
Não se arrepende, mas nem sempre foi fácil. Demorou (e muito) a conseguir viver da modalidade. "Eu conseguia viver da dança, no geral. Não do breaking. Dava aulas, fazia shows, workshops, há toda uma envolvência que me permitia viver da dança. Agora, das competições de breaking é muito mais difícil."
Durante muito tempo trabalhou num restaurante e chegou a dar aulas de dança na Royal Academy of Dance, mas rapidamente percebeu que leccionar a colocava numa posição de estagnação para competir: “Eu ainda queria competir e a dar aulas, se quisesse viajar, tinha que arranjar substituições. Tive que me relembrar que fui para Londres para competir, para a parte da performance, ainda não queria dar aulas."
Em 2022, conseguiu o terceiro lugar no Campeonato Europeu em Manchester e isso conferiu-lhe o estatuto de atleta de elite. Só em 2023 regressou a Portugal e começou a ser b-girl a tempo inteiro, com ajuda da Red Bull, da Adidas e do Comité Olímpico.
Arthletes chegam aos Olímpicos
Apesar de ser b-girl profissional, Vanessa não treina o dia todo. “Normalmente, dedico as tardes a outra coisa. Eu acho que esse é o principal ponto que nos diferencia do desporto. A dança é uma arte. Nós não forçamos um pintor a pintar. Dançamos quando estamos felizes, quando vamos à discoteca, é uma coisa muito natural. Se forçar a dança, mato um bocadinho a magia. Nós transmitimos as coisas com o corpo e se eu não quero dançar e sou forçada vou transmitir isso às pessoas, mesmo que não queira.”
Adora a frase "os bailarinos são os atletas de Deus". "Gosto da junção dos dois mundos. Precisamos de ser atléticos, trabalhamos com o corpo, mas temos que ter uma certa artisticidade. Prefiro dizer que somos arthletes"(junção das palavras em inglês "art", arte, e "athlete", atleta).
Acredita que foi o facto de não treinar o dia todo que a fez chegar ao top 16: "Privilegiei este espaço para mim. Estou a competir com miúdas de 16 anos, autênticas máquinas, que não se importam de fazer isto a tempo inteiro. Claro que tenho FOMO ('fear of missing out', ou medo de ficar para trás). Sinto que se não estiver a treinar estou a perder. Mas acho que isso é uma noção errada que temos. Devemos entender o que individualmente precisamos. E eu preciso de tempo fora, de sentir saudade de dançar”.
Como exemplo de que se sai pior se se forçar a dançar, relembra o Campeonato Europeu em Almería, onde teve “uma prestação muito boa”. No entanto, na semana seguinte, foi a uma fase de qualificação olímpica em Montpellier. “Tive uma das piores prestações de sempre. Foi uma seguida da outra e eu já não queria dançar. Tenho que me sentir inspirada", explicou.
Pintar, desenhar e ler são essenciais. Ler muito, aliás, principalmente "biografias de pessoas que são muito boas em desportos ou naquilo que fazem". Our Fight, de Ronda Rousey, a primeira mulher a competir na UFC, "foi como uma bíblia", leu-o "talvez mais do que cinco vezes".
Mas Vanessa também encontra inspiração em lugares pouco usuais. O maior exemplo disso são os movimentos inspirados em filmes da Disney e da Pixar. “Adoro ver filmes da Disney, têm muitas personagens muito caricaturadas, com expressões interessantes e isso reflecte-se na minha dança.”
Rapidamente arregaça as mangas e exemplifica, terminando numa pose que faz lembrar uma princesa da Disney que contempla o mundo de uma janela. Num outro, inspirou-se nas moscas que rodeiam o Pumba, personagem do Rei Leão, um dos seus preferidos — chama-lhe "mosca morta". No terceiro, tal qual as formigas em fila de Uma Vida de Insecto, desloca-se comicamente de joelhos.
No entanto, a sua performance também se faz de movimentos tradicionais. Principalmente giratórios. Vanessa mostrou-nos um pouco daquilo que poderemos ter a sorte de ver em Paris. Windmills, baby mills, 2000, são nomes de alguns movimentos. Contudo, o que a distingue verdadeiramente é o "estilo Vanessa".
"Eu sei que sou menos acrobática do que as outras. Normalmente estou a competir com miúdas mais novas e, naturalmente, tendo começado mais tarde, há certas manobras que demorei a aprender. Outras que nem sei fazer", confessa. "No entanto, acho que sou muito mais original. Tenho muito mais experiência do que elas em battle, em conversação, em metê-las fora do foco delas. Sou muito estratégica, sou muito musical também e tem que ser uma conexão de tudo quando estamos a dançar. Temos de reagir à música. Dá para ver claramente quando alguém vai para lá fazer a coreografia que preparou, sem conexão comigo, sem a direccionar ao que fiz, ao público, quando a energia se foca só nela e no que está a fazer. Eu nunca vou jogar esse jogo."
Teremos sempre Paris — mas não Los Angeles
Vanessa explicou o que a distingue das adversárias, mas também o que a aproxima dos colegas de missão olímpica e houve uma palavra de ordem: as dificuldades. "Ao vir de Portugal, temos todos um bocadinho em comum", começou. "Porque vimos de um país pequeno, que só olha para o futebol e em que não há muitos apoios. E isso não nos proibiu de seguir o nosso sonho, de provar a muita gente que conseguimos, às vezes até a trabalhar noutra coisa ao mesmo tempo. Eu acho que isto vem tudo da mentalidade e do espírito português. Nós vamos muito à luta, somos muito dedicados, fazemos as coisas acontecer, não aceitamos não como resposta."
Sobre Paris, não quis colocar um objectivo claro, apesar de saber que é capaz de "lutar pelas medalhas". “Sou muito competitiva. Mas sei que o sistema às vezes não é favorável ao meu estilo. Tenho provado que às vezes consigo quebrar o sistema, mas é sempre incerto”, diz, referindo-se à técnica menos acrobática e mais carismática.
Para além disso, prefere ver apenas o passo que se encontra directamente à sua frente, sem por isso deixar de preparar os que estão depois. Funciona “passinho a passinho, porque quando olhamos muito para cima às vezes tropeçamos nos degraus do meio...”.
Fica feliz com o que a sua presença no break simboliza. Primeiro, “o caminho que a modalidade fez, à semelhança do skate”, uma comparação que tem sido feita desde que a modalidade ganhou estatuto olímpico, em 2019, com o nome de breakdance. “Tiraram-nos da rua e é muito importante integrarem-nos num evento desta dimensão para chegar a pessoas que se calhar nunca olharam para o que fazemos” diz, apesar de não haver planos de manter a modalidade nos Jogos de Los Angeles, em 2028.
Para além disto, quer “demonstrar às mulheres que é possível”. Que pode ser preciso mudar de país, passar dificuldades, ter um trabalho à parte, mas que é possível perseguirmos os nossos sonhos. Quero que as meninas que comecem no break agora percebam que é possível”. “Vou representar todas essas mulheres e vou levar todas as que me influenciaram para lá”, concluiu.