Os esquisitos agora são os republicanos
Quando Biden, acusado de estar velho demais, desistiu, o velho passou a ser Donald Trump.
Aprender o valor da mudança é perceber como tudo o que parece estar previamente escrito pode subitamente alterar-se, se houver vontade para isso. A história de Portugal para os próximos anos parecia estar escrita, com uma maioria absoluta a garantir estabilidade governativa, até que António Costa decidiu demitir-se. As eleições dos Estados Unidos pareciam estar pré-determinadas até que Joe Biden teve o bom senso de perceber que as suas falhas podiam arrumar com as pretensões democratas.
Em política, uma mudança profunda tem efeitos radicais até na forma como o outro lado, que não mudou nada, é avaliado. Quando Biden, acusado de estar velho demais, desistiu, o velho passou a ser Donald Trump. Quando as aparentes distracções e as claras gaffes do Presidente norte-americano deixaram de estar no palco, é o comportamento errático e por vezes mesmo tresloucado do candidato republicano que brilha por baixo dos holofotes.
Se há alguém que incorpora bem este virar de mesa é o candidato a vice-presidente anunciado ontem por Kamala Harris. Foi afinal Tim Walz que começou a tratar como “esquisitas” (em inglês “weird”) as propostas de Trump e do seu candidato a vice, J.D. Vance, o que a campanha democrática abraçou, ainda antes de se saber que ele seria o escolhido de Harris.
O saco de porrada costumavam ser os democratas graças ao talento de Trump para arranjar alcunhas que pegavam bem nas redes, como o famoso “crooked Hillary” ou o “sleepy Joe”. Os democratas agora decidiram arregaçar as mangas, abandonar um ar de superioridade moral, e ir à guerra com um “esquisito” que encheu as redes e resume bem alguns dos traços da candidatura republicana.
Nem vale muito a pena salientar todo o curriculum de Trump que sempre fez dele, para quem recorda os valores tradicionais republicanos, um candidato esquisito. Como não valerá a pena salientar o esquisito que é um dia J.D. Vance se ter lembrado de diminuir as mulheres que optam por não ter filhos, quando um sexto das norte-americanas entre os 40 e os 44 anos nunca teve um filho. Porque cada vez mais esquisito é que os arreigados defensores das liberdades individuais sejam quem mais quer interferir com elas, das orientações sexuais à disposição para se reproduzirem, até aos livros que podem ler.
Por isso a escolha de um político razoavelmente normal como Tim Walz, vindo de uma América rural, antigo professor, treinador de futebol, antigo elemento da Guarda Nacional, pode ser o impulso que os eleitores precisam para se afastar da esquisitice.