Cartas ao director
Crianças em risco
O artigo de Maria João Marques vem tocar numa das situações mais trágicas do nosso sistema de justiça: a protecção de jovens e crianças, bem como, de modo geral, mulheres, em situações de violência. Rara é a situação de morte destas vítimas que não estivesse assinalada quer pelo Ministério Público (MP) e/ou pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ). Como é possível que estes organismos públicos, sabendo do risco que estas pessoas correm, não tomem medidas de tal modo a que não ocorram mortes? Será falta de pessoal ou alojamento para colocar aqueles ou aquelas que estão em situação de alto risco? Serão avaliações mal feitas? Será que estes técnicos funcionam como administrativos que encerram o seu gabinete ao fim do dia para reabrir na manhã seguinte? Com conhecimento de causa, recordo uma situação de uma menina dos seus dez anos que se encontrava institucionalizada e que iria passar o fim-de-semana em meio familiar. Veio pedir-me para que eu não a deixasse ir para casa, pois sabia que iria ser alvo de abuso sexual por um tio. Contactei a CPCJ da área, que com a maior das calmas me disse que não me preocupasse, pois a menina sabia muito bem como denunciar a situação, caso fosse violentada, tinha inclusive o número para onde devia ligar. Um Estado que leva ao abandono crianças e jovens pobres e de contextos desestruturados é um Estado que falhou. E isto é muito grave.
António Barbosa, Porto
Governo descoordenado
Mais uma trapalhada. Agora, o Ministério das Finanças confirmou que um cidadão português, mesmo ganhando o salário mínimo, podia ter de pagar IRS. Pouco tempo depois, António Costa, no Parlamento, desmentiu esta medida. Tanta descoordenação mete medo e faz pensar que muitas vezes as coisas são resolvidas em cima do joelho, sem estudo, sem análise e sem ponderação. E se não tivesse havia tantas manifestações de contestação, o que sucederia? Agindo assim e infelizmente, este Governo acabará por perder a confiança dos portugueses que tem de ser ganha e mantida com a prática da verdade, da transparência, da justiça e da prova de que todas as medidas são estudadas e verdadeiramente analisadas antes de anunciadas e postas em prática. Quando ganhará o Governo juízo?
Manuel Morato Gomes, Senhora da Hora
Christine Lagarde
Como é possível que Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, disponha da vida de milhões de trabalhadores da União Europeia? (…) Quando tanto se protestou contra as medidas draconianas da troika, eis que nova ditadura de Bruxelas desponta mutilando o sonho de milhões de europeus de terem o seu lar, doce lar. Christine Lagarde não tem sensibilidade para as questões sociais. É esta a Europa que os dirigentes políticos europeus apregoam? É esta a política socioeconómica e financeira que quer servir de exemplo aos países governados por ditadores?
Ademar Costa, Póvoa de Varzim
Vuelta em Lisboa
O ciclismo é um meio por excelência para promover as cidades, regiões e países. Sabendo disso, João Soares, em 1997, e Carlos Moedas, em 2024, trazem a Vuelta a Lisboa. Devido aos complexos dos portugueses em relação a Espanha, os protestos em 1997 foram tantos que fizeram com que a Volta a Portugal em Bicicleta, no ano seguinte, tenha começado em Sevilha! No ano passado a Vuelta começou nos Países Baixos. Este ano, a Volta a França começou em Bilbau e no ano passado em Copenhaga. A comunidade europeia vista de helicóptero por milhões de telespectadores. Portugal orgulhosamente acompanhado.
Mário Martins, Ponte de Sor
Espécie de profecia
Cada vez mais nos desumanizamos. Instalada a angústia neoliberal, a cultura da acumulação infinita, uma necessidade voraz de consumir, a ânsia da ostentação, a transformação das pessoas em “capital” humano, a mentira descarada transformada no “novo normal”, a extrema-direita a encontrar um modo de vida e as esquerdas respondendo com pontapés no próprio cu. Um abismo abre-se no horizonte.
Precisamos de perceber aquilo que queremos mesmo, sabendo que não se pode ter tudo o que nos prometem! Temos de saber do que estamos dispostos a prescindir, de modo a alcançarmos a distribuição generalizada daquilo que consideramos essencial. Se pretendermos tudo ao mesmo tempo, não teremos nada, a não ser decepção e desumanização total.
Anuncia-se uma nova ordem mundial na qual o neoliberalismo irá assumir uma outra forma, definitivamente monstruosa e destruidora. Precisamos de nos preparar para o embate.
Rui Silvares, Cova da Piedade