A Comissão geopolítica e mais além

A invasão da Ucrânia exigiu uma nova posição firme e enérgica da UE. A Comissão e a sua presidente, Ursula von der Leyen, lideraram o tom e o ritmo dessa resposta.

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No dia 13 de setembro, Ursula von der Leyen fez perante o Parlamento Europeu (PE) o último discurso sobre o estado da União.

Em 2019, não imaginaria que a União Europeia enfrentaria, de seguida, uma pandemia e uma guerra às suas portas. Mas o estado do mundo já pressionava a Europa. E Von der Leyen anunciou que esta seria uma “Comissão geopolítica”.

Por entre o ceticismo inicial e as vicissitudes inesperadas de uma pandemia de contornos inéditos, a ideia de uma Comissão geopolítica fez caminho.

Na resposta à pandemia, a União deu passos pioneiros na direção a um mecanismo de mutualização de dívida, em que a Comissão desempenha um papel fundamental. E a invasão da Ucrânia exigiu uma nova posição firme e enérgica da UE. A Comissão e a sua presidente lideraram o tom e o ritmo dessa resposta. Quer nas questões da dependência energética e da aprovação de sanções, quer nos apoios humanitário e militar.

No seu discurso, Von der Leyen fez um balanço e afirmou: “Assistimos ao nascimento de uma União geopolítica”. Fez ainda uma longa exposição sobre o Pacto Ecológico Europeu, incluindo as questões de uma transição justa e competitiva, e sobre as tecnologias digitais e a Inteligência Artificial. Colocou no topo da agenda a importância humanitária e estratégica do apoio da UE noutros continentes, em particular em África e no domínio das migrações. Entre o balanço e a prospetiva, Von der Leyen enalteceu o caminho já percorrido e instigou a UE a assumir um papel de liderança.

Mas os tempos não estão para contemplações. A UE continua, e continuará, a enfrentar ameaças e desafios tremendos. A tarefa de apoio à Ucrânia está longe de estar terminada. Desde logo o apoio militar, que também encerra uma grande transformação na UE e nos países europeus, designadamente em relação ao peso das despesas militares, no imediato e no futuro. A reconstrução da Ucrânia, a forma de apoio e o seu financiamento, também é uma questão fundamental.

Neste contexto, subjaz a forma de como a Ucrânia continuará a ser protegida e apoiada. Ou seja, de como será integrada. A adesão e um novo alargamento da UE transformaram-se numa questão central. Que Europa teremos depois da guerra? Quantos membros? Que mecanismos de decisão? Que níveis de integração? Este é um processo que requer esforço e mérito por parte dos candidatos e que também exige à UE capacidade para se adaptar a novas circunstâncias. Mas de enorme alcance geopolítico, num mundo em que outros poderes continuarão a desafiar a Europa e os seus valores.

Por isso, este próximo ciclo das instituições europeias que se inicia com as eleições para o PE é tão importante. E, também por isso, a questão das lideranças na UE, designadamente da Comissão, é tão relevante. Ursula von der Leyen foi ao longo dos últimos quatro anos o telefone para onde ligar para falar com a Europa. Uma interpretação das suas funções que não está isenta de atritos com outras instituições. O lugar da presidente da Comissão no equilíbrio de poderes da UE é pomo de discussão. À Comissão cabe um trabalho fundamental na iniciativa e no acompanhamento das políticas e na articulação dos interesses nacionais em prol do interesse comum. Ao Conselho Europeu, e aos governos nacionais aí representados, cabem as decisões. E o PE, com a sua representatividade direta e crescentes poderes, tem cada vez mais que ser ouvido.

Um equilíbrio permanente entre as instituições, entre um intergovernamentalismo europeísta e o supranacionalismo, é vital para a UE. Mas os tempos que se vivem, e que se viverão, exigem lideranças enérgicas e inspiradoras na Europa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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